Guião para uma Proposta de Transportes Públicos
• Contexto Jurídico-Legal e Condicionantes
• Condicionante política: a Lei nº 52/2015, de 9 de junho, que aprova o Regime Jurídico de transportes de Passageiros, estabelece que, até 3 de dezembro de 2019, todos os serviços públicos de transportes (SPT) em atividade devem estar conformes as regras que a Lei prescreve.
Isto implica:
• durante o ano de 2018, todas as decisões fundamentais em matéria de TP devem ser tomadas, para poderem produzir efeitos no máximo até 03/12/19;
• 2019 é o ano para pôr de pé as soluções, decididas no ano anterior: definir as soluções organizativas para a prestação do SPT, definir operador interno e contratualizar serviço ou aprovar cadernos de encargos e lançar concursos, contratar operadores, etc.
• Enquadramento jurídico para a definição das Políticas de Transporte
2.1. Enquadramento normativo - Lei nº 52/2015, de 9 de junho
• Direito à mobilidade é um direito constitucional (art. 44º da CRP).
Quem o garante? Estado.
• Como? A Lei nº 52/2015 define três possibilidades (art. 16ª):
• “Diretamente pela autoridade de transportes (…) com recurso a meios próprios”;
• Através de “contrato de concessão do serviço público de transportes junto do operador interno”;
• Através de contrato de concessão do serviço público de transportes a “outros operadores de serviço Público”.
• Quem decide? A Autoridade de Transportes (AT)
• Autoridades de Transporte (AT):
• Estado/SPE (art5º da Lei nº 52/2015):
• Transportes de âmbito nacional;
• Modo ferroviário pesado;
• Nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e na comunidade intermunicipal do Baixo Mondego, com base nos seguintes operadores internos: Carris, ML, MP, STCP, Transtejo, Soflusa e Sociedade Metro-Mondego;
• Concessão atribuída pelo Estado antes do novo RJSPTP ao MST até ao termo da atual concessão (2032);
• Serviços Expresso;
• Serviços de âmbito internacional.
• Municípios
• CIMs ou autoridades intermunicipais de transportes
• Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto
• Regiões Autónomas dos Açores e Madeira/Municípios/CIMs.
• Como se articulam todas estas ATs?
• “O Estado pode delegar parte ou a totalidade das suas competências na área dos transportes noutras entidades, designadamente no Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT, I. P.), nas comunidades intermunicipais, áreas metropolitanas ou municípios, nos termos do art.10.º”.
• Os Municípios, enquanto autoridades de transportes municipais, podem delegar, através de contrato interadministrativo, as respetivas competências:
• Nas Áreas Metropolitanas (Ex: na área metropolitana do Porto, houve uma delegação de competências de seis municípios – Porto, Gaia, Matosinhos, Gondomar, Valongo e Maia – na AMP para que a STCP fosse o operador interno – Exemplo de Matosinhos;
• Nas Comunidades Intermunicipais (Ex: todos os municípios da Região de Leiria delegaram na CIM as suas competências sobre transportes);
• No Estado, via Governo/MF ou Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) - Ex: financiamento dos Transportes Públicos.
Isso significa que as CIMs podem assumir competências sobre sistemas de transportes públicos intermunicipais abrangendo, total ou parcialmente, os municípios que as integram (Ex: na CIM da Região de Coimbra, criar uma autoridade de transportes intermunicipal de Coimbra, Mirando do Corvo e Lousã para gerir o Metro do Mondego).
• Atribuições das AT (nº 1, art.º 4º):
• “definição dos objetivos estratégicos do sistema de mobilidade, o planeamento, a organização, a operação, a atribuição, a fiscalização, o investimento, o financiamento, a divulgação e o desenvolvimento do serviço público de transporte de passageiros, por modo rodoviário, fluvial, ferroviário e outros sistemas guiados.”
• Competências das AT (nº 2, art.º 4º):
• Exploração, através de meios próprios e ou da atribuição a operadores de serviço público, por meio da celebração de contratos de serviço público ou mera autorização, o serviço público de transporte;
• Organização, planeamento, desenvolvimento e articulação das redes e linhas do serviço público de transporte de passageiros, bem como dos equipamentos e infraestruturas a ele dedicados;
• Determinação de obrigações de serviço público;
• Investimento nas redes, equipamentos e infraestruturas dedicados ao serviço público de transporte de passageiros, sem prejuízo do investimento a realizar pelos operadores de serviço público;
• Financiamento do serviço público de transporte de passageiros, bem como das redes, equipamentos e infraestruturas a este dedicados, e financiamento das obrigações de serviço público e das compensações pela disponibilização de tarifários sociais bonificados determinados pela autoridade de transportes;
• Determinação e aprovação dos regimes tarifários a vigorar no âmbito do serviço público de transporte de passageiros;
• Recebimento de contrapartidas pelo direito de exploração de serviço público de transporte de passageiros;
• Fiscalização e monitorização da exploração do serviço público de transporte de passageiros;
• Realização de inquéritos à mobilidade no âmbito da respetiva área geográfica;
• Promoção da adoção de instrumentos de planeamento de transportes na respetiva área geográfica; e
• Divulgação do serviço público de transporte de passageiros.”
• Quem deve garantir os TP em todos os territórios? Empresas públicas. Porquê?
• São instrumentos de execução de uma política de transportes democrática, i.e., podem garantir uma eficaz cobertura territorial e social;
• Devem ter por objeto garantir o direito constitucional à mobilidade sem estarem condicionadas a ter de dar lucro na sua atividade;
• Executam uma política tarifária guiada por objetivos que visam a máxima de acessibilidade aos TPs
preços baixos, carreiras e horários articulados, intermodalidade;
• Devem ter como contrapartida o acesso a financiamento público para realizar os investimentos necessários à modernização das frotas e à contratação de pessoas.
• Como assegurar que as EPs sejam instrumentos diretos de uma política de transportes?
cada EP deve ser um operador interno em cada território.
Nota: para grandes áreas urbanas ou metropolitanas, podem coexistir vários operadores internos desde que as respetivas redes se articulem.
2. 2. Selecionar um Operador Interno
• Considerando que, na maior parte dos concelhos, o transporte público é inexistente não será difícil defender nas AMs e CMs, uma proposta alternativa para o TP.
• Podem as empresas privadas serem escolhidas como operadores internos? Podem, mas se for um operador privado, só o pode ser, após concurso público.
• Risco dos operadores internos serem privados: cada ajustamento na rede, abrem caminho a medidas de “reequilíbrio financeiro” (Ex: PPPs).
• Vantagens de o operador interno ser público:
• a sua operação e desenvolvimento é escrutinável pelos órgãos autárquicos;
• pode ser contratualizado por ajuste direto, dispensando-se o concurso público.
• Operador Interno Público
• Contratualizar as obrigações de serviço público pelo operador interno: porquê?
Transparência, democracia e planeamento: discussão e aprovação pelos órgãos autárquicos.
• Do contrato deve constar:
• A rede de oferta de TP, com identificação das principais zonas residenciais e comerciais, serviços e equipamentos públicos e pontos de interface;
• As carreiras, o percurso e as paragens que asseguram uma integral cobertura de todas as freguesias (temporal e geográfica);
• Os níveis de serviço para garantir os padrões de qualidade que a AT definir;
• Quantidade de veículos e a respetiva tipologia (diesel, a GN, elétricos);
• A idade média dos veículos e a sua taxa de renovação;
• Veículos com tecnologia de localização automática (GPS), comunicação de emergência, internet WI-FI, sistemas de segurança dos motoristas; sistema de informação interior nos veículos;
• A frequência de serviço em cada carreira para os diferentes tipos de horários: dias úteis, fins de semana e feriados, épocas de verão, de inverno, férias;
• A bilhética aplicável ao TP: tipos de bilhetes, passes, descontos; valor das receitas de TP estimadas e indemnizações compensatórias;
• Veículos para pessoas com mobilidade reduzida ou com deficiência;
• Índices de cumprimento dos horários e eventuais penalizações;
• Prazo da concessão;
• Os procedimentos de autorização para alterar os serviços contratados;
• Um sistema de informação ao público nas paragens e na internet - distância em tempo a que os veículos se encontram, aviso por sms sobre os veículos;
• Um portal de informação online sobre a rede e que permita reclamações.
• Um processo de planeamento e gestão operacional das carreiras, baseado em SIG e que permita uma gestão otimizada dos veículos em movimento.
• O modelo de financiamento do sistema de transportes públicos e de repartição de receitas entre o concedente e o concessionário.
• Operador interno selecionado por Concurso Público Internacional
• Definição de um Caderno de Encargos (ver ponto anterior) para lançamento de Concurso Público Internacional;
• Publicitar Aviso de Concurso Público e prazo para candidaturas (máx. 4 meses);
• Definir Júri de Concurso pelo Concedente; Publicação de resultados e decisão sobre eventuais recursos (2 meses);
• Aprovar as obrigações de serviço público e outras condições em Contrato de Serviço Público no âmbito de um processo negocial com o operador selecionado (1 mês);
• Assinatura do contrato e início da operação (1/2 meses).
• Questões relativas à Mobilidade na definição de um Sistema de Transportes Públicos
• Planeamento
• Caracterização do perfil de mobilidade existente:
• No município;
• Na região.
• Identificar os municípios que têm fortes interações económicas e sociais e dinâmicas territoriais contíguas, potenciando fluxos de mobilidade comuns;
• Quantificar os principais fluxos de procura de transporte em TI e TP na região;
• Caracterizar as infraestruturas de transportes e a oferta de transporte público;
• Identificar as principais carências ao nível da mobilidade das populações, seja do ponto de vista do acesso universal aos TPs (incluindo pessoas de mobilidade reduzida), seja do ponto de vista do custo do acesso, seja ainda a ausência de articulação e transferência entre modos de transporte (intermodalidade);
Inquéritos à Mobilidade e/ou Estudos de Caracterização da Mobilidade existente
• Definir um modelo de financiamento dos TPs que promova a redução do preço dos transportes e garanta uma democratização efetiva no acesso em todos os territórios;
• Aprovar uma estratégia de mobilidade orientada para a descarbonização da economia e a luta contra o aquecimento global, que inclua:
• as obrigações de serviço público;
• a plena acessibilidade aos TPs por pessoas com mobilidade reduzida;
• a organização da oferta do SP em função dos fluxos de procura e dinâmicas territoriais identificadas previamente;
• planeamento, desenvolvimento e articulação das redes e linhas de transporte de passageiros que se projetem no futuro, incluindo sistemas flexíveis em territórios de baixa densidade ou de procura rarefeita;
• promoção da intermodalidade entre os subsistemas de TPs, através da integração aos vários níveis: físico, operacional e tarifário;
• sistema de bilhética simplificada, de adesão obrigatória, para prover o máximo de integração modal e uma repartição de receitas justa;
• baixa significativa dos preços dos TPs, oferecendo-se mais, melhor e mais barato transportes, incluindo descontos com objetivos sociais;
• financiamento dos TP com receitas conexas, tais como estacionamento, mais-valias imobiliárias e externalidades atribuíveis aos transportes, receitas de publicidade, patrocínios, canais de venda pela internet;
• promoção do transporte elétrico, nomeadamente, ferroviário;
• planos de modernização e renovação nas redes de transportes - equipamentos e infraestruturas.
• Qualidade dos Sistemas de Transportes
• Que Transportes queremos?
• BOM
• Conforto, materiais duráveis
• Ar condicionado
• WI-FI
• Baixo ruído
• Informação em tempo real
• Acessibilidade interna dos veículos
• BARATO
• Tornar o TP mais atrativo para uma boa escolha modal;
• Preço não deve ser barreira para a mobilidade dos cidadãos
• Preço deve integrar o estacionamento e servir a intermodalidade;
• Gratuitidade para crianças e jovens em idade de escolaridade obrigatória e desempregados;
• Reduções de preços (-50%) para estudantes sub-24, idosos (+65) e algumas entidades públicas.
• ACESSÍVEL
• Plena acessibilidade aos veículos de transporte (desenho adequado das plataformas ou com piso rebaixado);
• Construir sistemas flexíveis de transporte público em territórios de baixa densidade populacional ou de procura rarefeita;
• Construir sistemas de informação ao público nas paragens sobre os tempos de espera dos veículos e as carreiras em serviço.
• AMIGO DO AMBIENTE
• Objetivo a longo prazo: veículos de TP de zero emissões.
• Preferência por opções modais de tração elétrica, tais como:
• Comboios, metro, metro ligeiro, elétricos;
• Autocarros;
• Táxis.
• Veículos de transporte coletivo de emissões reduzidas (Diesel, GN)
motores de combustão: normas Euro 6 (pesados); Euro VI (ligeiros).
• Utilização de materiais recicláveis/reutilizáveis economia circular
• I&D em novos motores com zero emissões:
• veículos a hidrogénio,
• energia solar.
• DEMOCRÁTICO
• Cobertura geográfica integral dos municípios (Freguesias);
• Cobertura diária e completa dos TP nos seus diferentes horários, incluindo redes noturnas, especialmente nas áreas metropolitanas;
• Rede de acesso escolar, pautada por critérios de acessibilidade.
• Articulação com outras redes de transportes – Integração modal, integração tarifária e integração horária
• Integração Modal
• Interfaces de transferência modal de proximidade e de fácil acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida;
• Informação em tempo real das várias carreiras e modos de transporte com serventia à interface promoção da intermodalidade;
• Postos de informação ao público e para aquisição de títulos de transporte;
• Sistemas de Informação Geográfica com todas as carreiras, horários, frequências de todos os modos para avaliação de impactes;
• Gestão das frotas em tempo real / articulação com outros modos TP;
• Zonas de estacionamento do TI nas proximidades do TP para favorecer a transferência modal via park and ride promoção da intermodalidade.
• Integração tarifária
• Sistema de bilhética simplificado – em vez de títulos por operador deve passar a haver títulos comuns a todo o sistema;
• Sistema de bilhética integrado para que o título de transporte sirva:
• vários modos de transporte durante um espaço horário razoável (1h30-2h);
• park and ride;
• sistema de bilhética com georreferenciação do ponto de entrada e de saída do utilizador para fins de caracterização dos fluxos mobilidade;
• sistema de bilhética inclusivo e tecnologia sem contacto.
• Integração horária
• Articulação de horários e de cadências entre vários modos e operadores para maximizar:
• a eficiência do sistema de TP, reduzindo os tempos de espera;
• a eficácia do sistema de TP, garantindo a acessibilidade a todos os pares de O/D estabelecidos, nas melhores condições de segurança e de fiabilidade.
• Articulação de horários e frequências para eliminar situações de disrupção do sistema – missed links - por ausência de oferta de TP no funcionamento da cadeia de mobilidade.
• Financiamento dos Sistemas de Transportes
• Porquê o Financiamento Público dos Transportes Públicos?
• Externalidades positivas na economia e na sociedade:
• Garante a mobilidade a todos os cidadãos
• Contribui para a descarbonização da sociedade e reduz o aquecimento global por via da redução dos GEE
• Reduz o congestionamento de tráfego
• Reduz o consumo de combustível e a dependência externa;
• Reduz o desgaste dos veículos
• Reduz a sinistralidade rodoviária
• Melhora a produtividade social
• Valoriza o edificado e aumenta a acessibilidade a todos os territórios
Valor Patrimonial Tributário
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv
Sendo:
Vc – Valor Base dos prédios edificados; Ca – coeficiente de afetação; Cl – Coeficiente de localização; Cq – Coeficiente de qualidade e conforto; Cv – Coeficiente de vetustez
• Para quê financiar os Transportes Públicos?
• Praticar preços sociais nos transportes públicos;
• Promover a otimização e a articulação da gestão das frotas de TP em tempo real, em cada território abrangido pela AT respetiva;
• Garantir os investimentos no setor;
• Melhorar a qualidade de vida dos cidadãos;
• Assegurar o direito à mobilidade a todos.
• Em Quanto?
• Equilibrar as contas de exploração – Indemnizações compensatórias;
• Tornar mais atrativo o uso dos TPs e favorecer a transferência do TI para o TP;
• Permitir a redução e a gratuitidade dos transportes públicos.
• Financiar o uso de tecnologias limpas na modernização e renovação das frotas;
• Financiar sistemas de transportes inteligentes
• Como? Fontes?
• Receitas diretas;
• Receitas de serviços conexos – estacionamento, publicidade, compras, mecenato
• Contribuição para o Serviço Público de Transportes / Fundo Ambiental / CSR
• Parte das receitas dos Impostos autárquicos relacionados com Imóveis (IMI, IMT)
• Transferências do OE + Fundos Comunitários para Investimentos em:
• Infraestruturas e veículos de TP em modos mais limpos;
• Apoiar a modernização e renovação das frotas.
Heitor de Sousa, deputado do Bloco de Esquerda.