Há meses atrás o sociólogo Boaventura Sousa Santos exprimida num Prós e Contras uma frase dura: “os estudantes são os grandes ausentes da luta conta a austeridade”. A frase pareceu injusta para todas e todos aqueles estudantes que nos últimos anos têm convocado protestos, animado o debate político nas universidades ou mobilizado para os grandes movimentos gerais de contestação à austeridade. No entanto, o argumento do sociólogo era mais profundo. Se o movimento estudantil foi uma parte estruturante do que se classificou como os “novos movimentos sociais” e em Portufal nos anos 90 a contestação às propinas ou à PGA mobilizou milhares, neste que é momento de maior ataque ao ensino e à sociedade dos últimos anos, o movimento estudantil no seu conjunto faltou à chamada.
Para entender essa ausência e para compreender a dificuldade de quem todos os dias luta pelo ensino superior nas universidades, é preciso voltarmos às três grandes derrotas do movimento estudantil nos últimos 25 anos. A primeira foi a das propinas. Depois de várias vitórias contra o Governo de Cavaco Silva, a derrota da luta das propinas com o Governo de António Guterres em que as propinas voltaram a ser implementadas para valores insuportáveis conduziu a um sentimento de derrota generalizado. A segunda foi o Processo de Bolonha que reduziu a permanência dos estudantes nas universidades, a socialização estudantil, pressionando os estudantes a saírem rapidamente. A terceira derrota foi a do RJIES. Os estudantes que antes estavam em paridade nos órgãos de gestão da universidade, viram a sua representação nos Conselhos Gerais ficar reduzida, na maioria dos casos, a cerca de 15 %, contra mais de 30 % de membros externos, e mais de 50 % de docentes.
Estas três derrotas, tiveram consequências profundas para o movimento estudantil. A primeira foi a da redução dos números de anos de socialização na universidade e com a pressão de se ter que acabar rápido porque os custos são muito elevados. A segunda foi a expulsão direta e indireta dos estudantes mais pobres das universidades portuguesas. A terceira foi a de um esvaziamento da vida democrática das universidade, agora substituída pela presença das dinâmicas mercantis e empresariais. A quarta foi a crescente perda de interesse por órgãos onde os estudantes pouco contam da influência das decisões que os afetam. E a quinta foi a de uma desmobilização brutal dos setores mais ativos e críticos, a proliferação de um sentimento de derrota acompanhado pelo regresso das jotas às direções das associações e a expansão sem precedentes da praxe académica por todo o país.
Apesar deste cenário, a desmobilização geral do movimento estudantil não aconteceu sem que tivesse havido vários focos de resistência. Mais recentemente, são disso exemplo manifestações como a que fez cair os cortes das bolsas de estudo do Decreto 70/2010 do Governo PS, as cinco manifestações que fizeram o governo recuar na exclusão dos estudantes cujas famílias estivessem endividadas do acesso à bolsa de estudo, as pequenas vitórias em questões pedagógicas e materiais à escala local, a participação de estudantes e Associações no Que se Lixe a Troika, nas Greves Gerais, ou o aumento de debate político em várias universidades do país. Ainda assim, a mobilização estudantil é incompreensivelmente inferior em relação à dimensão dos sucessivos ataques às universidades e aos direitos dos estudantes. Perante isso há duas tarefas que devem interpelar todas e todos os jovens ativistas estudantis do Bloco.
A primeira é a da responsabilidade de voltar a ter capacidade de influência sobre a condução da direção do movimento estudantil para que esta se preocupe em mobilizar estudantes, em vez de contribuir para a sua chacina. Para isso precisamos de ganhar Associações de Estudantes, reuniões gerais de alunos, listas aos Conselhos Gerais, Núcleos de Estudantes e ter coletivos de influência alargada. Só organizando e representando milhares de estudantes é que conseguiremos disputar o poder hegemónico do atual movimento associativo e conseguiremos inverter a condução do movimento estudantil.
O segundo desafio é o de que precisamos como nunca de voltar a reconstruir a base do movimento. Voltar a organizar coletivos de intervenção e debate na faculdade, reorganizar os espaços de exercício de democracia nas instituições, criar espaços que os estudantes sintam que são seus e que têm influência sobre eles. Voltar a bater às salas de aula para recolher petições, voltar a formar coletivos, voltar a mobilizar o mais forte instrumento para reerguer o movimento estudantil: a nossa turma, os nossos colegas.
É a nessas tarefas que somos imprescindíveis. Termos de saber estar à altura delas.