Não consta que António Costa tenha rompido com a estratégia do governo. Nem de Marcos Perestrelo ou Manuel Salgado ou Ana Sara Brito se conhecem sinais de dissidência. Aliás António Costa não saiu do governo por divergências com Sócrates, mas sim porque Sócrates precisava de legitimar a sua política com uma vitória na Câmara de Lisboa. Ao integrar o executivo camarário o Bloco corre o risco de contribuir para essa legitimação. E isto é contraditório com o programa de um partido que quer refundar a esquerda e construir a oposição popular ao liberalismo.
É que o neoliberalismo também tem a sua versão local. Mesmo ignorando o facto de o município de Lisboa ter uma importância que em muito ultrapassa o nível local, a política da subcontratação, do trabalho precário e dos cortes orçamentais faz parte do quotidiano da Câmara e não consta que Costa a vá abandonar nos tempos mais próximos.
O acordo é ainda mais incompreensível se à discussão juntarmos os resultados eleitorais mais recentes. A tal ruptura dos eleitores do PS com a agressividade neoliberal tem-se expressado nas votações de Manuel Alegre e Helena Roseta. É estranho que agora Helena Roseta fique na oposição e seja o BE que se presta a integrar um executivo minoritário com algumas figuras de proa do PS. O efeito prático é criar aos olhos de todos um afastamento entre o Bloco e os dissidentes do PS em favor de uma aproximação ao núcleo duro da política neoliberal.
O que agora acontece é uma inversão da perspectiva que tem guiado o Bloco desde a sua fundação. Uma mudança de tal envergadura não pode ser apresentada como um facto consumado, a palavra tem que ser dada a todos os militantes para discutir em profundidade e avaliar as consequências desta mudança de estratégia.