Há um ano atrás votámos contra um orçamento que considerámos bastante mau para a cidade. Um orçamento em que não se descortinava a existência de qualquer estratégia coerente e articulada para o seu desenvolvimento sustentável. Um orçamento que em grande medida se destinava ao pagamento de dívidas, sem investimento que estimulasse a cidade e os seus agentes sociais, económicos, culturais e científicos num caminho de desenvolvimento e dinamismo global ousado, criativo e indutor de mudanças. Um ano depois, mantêm-se inalterados quer a apreciação global do documento, quer o sentido do nosso voto.
Este orçamento já foi classificado como sendo um orçamento de contenção, de manutenção, ou até de consternação. Preferimos dar o seu a seu dono, classificando-o substantivamente de "encarnação". É da mais elementar justiça considerar que este orçamento expressa, de forma bem vincada, a evolução na continuidade: de mal sempre para pior. Cavando cada vez mais fundo um fosso de atraso e de estagnação, gerando o desânimo e a frustração das expectativas.
Frequentemente, o Presidente da Câmara sublinha as dificuldades de gestão financeira do seu executivo, remetendo-as para a má vontade do governo central em relação à sua pessoa. A receita é simples, de uso fácil, e descartadora das suas responsabilidades. Se mais não faz é porque não tem meios, e estes não lhe são dados pelo governo. Porém, a receita pode reverter-se numa arma de arremesso contra si próprio. Pois não será também verdade que muitos dos anunciados projectos, inscritos no seu próprio programa eleitoral e que dependem apenas da vontade política do seu executivo, são sistematicamente enviados para as calendas gregas?! Se não vejamos,... que é feito do prometido Arquivo de Coimbra, ou da expansão da rede de bibliotecas anexas, projectos já previstos em 2005, adiados para 2006, e de novo remetidos para 2007, e assim sucessivamente? E o sempre adiado Centro de Convenções e Teatro Municipal a edificar no antigo Convento de S. Francisco? Estar-se-á à espera que venha a desmoronar-se, encerrando de vez o assunto?!
Como poderá a cidade "assumir por imperativo identitário, uma fortíssima componente de realização cultural" que se traduziria, segundo o programa da maioria, num "programa ambicioso de divulgação do teatro, música, dança, literatura e poesia, envolvendo parcerias com os agentes culturais com as editoras, em colaboração com os Ministérios da Educação, da Cultura e do Trabalho e da Solidariedade Social", quando o relacionamento do executivo com a maioria dos agentes culturais é de afastamento e até de desconsideração do seu trabalho?!
A CMC recusa-se até a assegurar coisas tão básicas como o funcionamento dos espaços culturais municipais, como o Teatro da Cerca de S. Bernardo e a Oficina Municipal de Teatro. O orçamento remete esse ónus para os agentes culturais que os utilizam e que já têm de fazer face a tantas adversidades para garantir a continuidade dos seus projectos.
Para o apoio directo aos agentes culturais da cidade estão apenas orçamentados 830 mil euros (18% do orçamento total para o programa de "Afirmação da Cultura"). Se contabilizarmos somente os apoios dados às estruturas profissionais de criação e programação artística da cidade, esta verba desce para os 450 mil euros (9,6%). Ora, uma tal orçamentação não só representa uma fraca aposta num sector que merecia mais e melhor atenção, como também desmente à saciedade as reiteradas acusações de subsídio-dependência. Se estas instituições dependessem exclusivamente dos subsídios do executivo já há muito teriam fechado portas ou mudado de residência para concelho mais favorável.
Se, mais uma vez, o Bloco de Esquerda dá particular atenção à Cultura, não o faz por encomenda de supostos amigos, como aqui foi afirmado há um ano atrás. Fá-lo na convicção de que a aposta na Cultura deveria constituir um dos eixos fundamentais de desenvolvimento económico para o nosso concelho. Recente estudo da UE sobre a "Economia Cultural na Europa", revelou que o sector cultural e criativo, em sentido lato, é responsável por 2,6% do PIB da UE e que em Portugal é responsável pela criação de 1,4% da riqueza nacional produzida. Constitui-se, assim, como um importante sector económico gerador de milhões de emprego em toda a Europa (3,1% do total de empregos) e, sobretudo, de emprego qualificado em que a nossa cidade abunda em oferta e desaproveita, lançando no desemprego e no desânimo largas centenas de jovens promissores.
O investimento no sector cultural e criativo pode e deve ser visto como um investimento e não como um custo.
Com uma política cultural medíocre, de vistas curtas e orçamentos miserabilistas como poderia este executivo, alguma vez, aspirar a lançar a candidatura da cidade a Capital Europeia da Cultura? A tardia e atabalhoada proclamação de intenções feita nesta Assembleia não passou de mais uma miserável encenação teatral e de mais uma ocasião para o habitual choradinho de vitimização tão ao gosto do Senhor Presidente.
Outro dos sectores de particular importância é o das políticas sociais. É tempo de as autarquias implementarem uma nova geração de políticas que privilegiem o social e a qualidade de vida de todos os cidadãos, combatendo de forma eficaz e activa todas as formas de exclusão. As respostas deste executivo aos problemas sociais são manifestamente insuficientes e encontram-se muito longe daquilo que é minimamente exigível em termos de desenvolvimento social solidário e sustentável. O diagnóstico social do concelho elaborado pelo Conselho Local de Acção Social de Coimbra identifica as principais carências e aponta algumas soluções. Porém, estas encontram uma fraca ou nula concretização ao nível dos Planos de Desenvolvimento Social do município. Vejamos alguns exemplos.
No programa "Acção Social e Família" o apoio a Instituições que já havia sofrido um acentuado corte em 2006, passando de 210 mil euros para 90. 500 (- 43%), sofre novo corte em 2007, passando para apenas 49 mil euros, uma diminuição de 54,14% em relação ao ano anterior e de 76,6% em relação a 2005.
As transferências correntes para as IPSSs, irrisórias, sofrem mais um corte: de 15 mil euros em 2005 passam para 8 mil em 2006 (- 53,3%) e para 7.050 (- 12%) em 2007.
Na acção de apoio à "População Portadora de Deficiência" os escassos apoios concedidos em 2006 (10.350 euros) simplesmente desaparecem em 2007, a não ser que se considere a verba inscrita de 30 euros.
A "Rede Social" não tem melhor tratamento. As dotações foram reduzidas de 35 mil euros em 2005 para 5 mil em 2006 e em 2007 (- 85,7%).
O "Plano Municipal de Prevenção das Toxicodependências" previa, em 2005, 120 mil euros para apoio a Planos Integrados e Entidades Promotoras; em 2006 sofreu um corte de 78%, baixando para 26 mil euros atribuídos por protocolo ao CEIFAC. Em 2007 encontram-se atribuídos 23 mil euros à mesma Instituição.
Para apoio à "Casa dos Pobres" estão previstos 5 mil euros nas transferências correntes e 10 euros para apoio ao funcionamento.
Ou seja, os apoios anteriormente enunciados somam qualquer coisa como 89.090 euros. A título de comparação sublinhe-se que apenas para estátuas, estão previstos 121.726 euros. Triste solidariedade social onde as estátuas valem bem mais do que as pessoas que mais necessitam de apoio.
Entretanto, são esquecidas medidas como o apoio aos idosos, aos sem-abrigo, a pessoas portadoras de deficiência, já para não falar no apoio à primeira infância.
Estas deveriam ser medidas prioritárias de um executivo municipal empenhado em fomentar um desenvolvimento sustentável. Para nós, Bloco de Esquerda, são questões absolutamente essenciais, cujo desrespeito não pode merecer senão o chumbo deste orçamento.
Não podemos terminar a nossa intervenção sem antes aqui expressar uma nota profundamente crítica e de preocupação em relação ao tratamento que é dado, neste orçamento, aos Bombeiros Voluntários, em particular aos de Coimbra. No orçamento de 2005 para 2006 as transferências para dividir pelas duas Corporações (Brasfemes e Coimbra) eram de apenas 72.500 euros, tendo sofrido um corte de 63,75%, neste orçamento as verbas atribuídas sofrem novo corte de 38,62%, passando para a irrisória quantia de 44.500 euros a dividir pelas duas Corporações. Se o subsídio atribuído anualmente pela Câmara em 2006 mal dava para assegurar o pagamento de um mês de funcionamento, este ano não deve dar para mais do que uma mangueira.
Esta é uma situação que nos parece da mais clamorosa injustiça e incompreensão por parte do executivo, tanto mais que a acção dos Bombeiros Voluntários se reveste de inegável e relevante importância para o Município e os cidadãos deste Concelho. Caberá aqui perguntar ao Senhor Presidente quanto teria o Município de investir a mais nos Bombeiros Sapadores se não existissem os Bombeiros Voluntários?
Outra preocupação pertinente prende-se com o facto de não estar prevista, nem para 2007 nem para os anos seguintes, qualquer dotação orçamental para o prometido e tão desejado novo Quartel dos Bombeiros Voluntários de Coimbra. Tratar-se-à de mais uma promessa escrita em papel molhado?! Esperemos quer a culpa não seja, mais uma vez do Governo central e da sua má vontade contra o Senhor Presidente.