A abertura da exposição fotográfica “Rostos Transmontanos”, de Paulo Patoleia, e a projecção do documentário “Terra dos Sonhos - Novos Rurais”, de Nuno Leocádio, foi uma excelente introdução ao primeiro painel dos debates “Cultura e Serviços Públicos” que contou com Miguel Torres, dirigente associativo em Tondela e dois deputados bloquistas, João Semedo (que se debruçou sobre as dramáticas consequências do encerramento dos serviços públicos para as populações do interior) e Catarina Martins (que falou sobre a visão e as propostas do BE para a cultura) . Miguel Torres refutou a acusação recorrente de que os agentes culturais são subsídio-dependentes, argumentando que o Estado é que é dependente do trabalho cultural que desenvolvem, um verdadeiro “serviço público não reconhecido pelo Estado” e deu como exemplo o trabalho de 35 anos da ACERT, que não só tem contribuído para a preservação da memoria colectiva da região, como até conseguiu que na Escola Secundária de Tondela haja 12 turmas com a opção de Teatro.
O segundo painel, Ambiente e Mobilidade, teve o deputado Pedro Filipe Soares a criticar o governo por limitar o direito à mobilidade das populações do interior, ao portajar as SCUT sem alternativas, e contou ainda com dois importantes testemunhos do papel do sociedade civil na resistência às politicas de desmantelamento das linhas ferroviárias que servem as populações do interior: Daniel Conde, dos movimentos cívicos das Linhas do Tua e do Corgo, que afirmou que Portugal, ao perder 40% de passageiros ferroviários, constitui “um caso único nos últimos 20 anos na Europa ocidental” e Carlos d’Abreu, da Tod@via – Associação de Fronteira por uma Via Sustentável/Associación de Frontera por uma Via Sostenible, e professor na Universidade de Salamanca, que mostrou como a mobilização popular, sobretudo do lado espanhol, levou à classificação da linha do Douro pelo Ministério da Cultura de Espanha e à posterior recuperação de 15 km desta via, para fins turísticos. Luis Vale, de Bragança, debruçou-se sobre as “Novas Paisagens da Ruralidade em Portugal”, definindo os novos sujeitos rurais e conceitos como a “destradicionalização” que “enfatiza os elementos inovadores que a tradição pode conter, em detrimento dos elementos mais atávicos” (alheiras de bacalhau ou a admissão recente das raparigas nas festas dos caretos) .
No último painel, Desenvolvimento e Democracia Local, Carmo Bica, directora executiva da ANIMAR, deu como exemplo das dificuldades do desenvolvimento local no interior, a quase ausência de transportes públicos, que leva a que “as pessoas de Manhouce tenham de pagar 30 euros de táxi para se deslocarem a S. Pedro do Sul, o que faz com que a vida seja mais cara no interior”. Alberto Matos e Rui Costa, autarcas do BE, falaram sobre “a extinção, a bem ou à força, de freguesias” lamentando que todos os outros partidos tivessem votado no Parlamento contra a proposta do BE de referendo vinculativo. O geógrafo Pedro Soares acusou os partidos de direita de defenderem na Europa a coesão social e territorial enquanto em Portugal fazem o contrário, “cavando fundo a cova das populações do interior”.
O encerramento esteve a cargo de Francisco Louçã, que apresentou vários exemplos do “regabofe” dos 4 mil milhões de euros de “rendas excessivas à EDP” pela “electricidade mais cara da Europa”, do “milhão mês que ganha o Sr. Mexia”, dos “mil milhões por compensações à Brisa pelos carros que não passam na A17” e dos “172 milhões pagos pela Câmara de Barcelos à companhia privada das águas, para compensar o baixo consumo dos munícipes”. Louçã citou António Borges: “Portugal não é a Grécia; aqui baixam-se os salários sem contestação”, para apelar à participação na greve geral da CGTP.
CARTA REIVINDICATIVA DO INTERIOR
Os activistas políticos e sociais reunidos em Viseu, a 17 de Março de 2012, nas JORNADAS DA INTERIORIDADE, proclamam a sua vontade inquebrantável de lutar por um futuro no interior de Portugal e resistir às politicas “interioricídas” que aprofundam o atrofiamento económico, social e demográfico das regiões menos desenvolvidas do nosso pais, onde não desistem de viver, apesar dos contínuos apelos à emigração, e exigem do governo as seguintes medidas urgentes:
Fim dos encerramentos de Serviços Públicos (serviços de saúde, escolas, serviços de finanças, tribunais, estações dos CTT e outros) que, por diminuírem a qualidade de vida das populações, levam ao despovoamento das aldeias, vilas e cidades mais recônditas;
Anulação dos aumentos das taxas moderadoras para que as populações do interior e em particular as franjas mais vulneráveis, como os idosos, não sejam condenadas a morrer por falta de assistência médica, devido a estas “portagens” que lhes limitam o acesso aos hospitais e centros de saúde, quando cada vez mais lhes escasseia o dinheiro para pagar os aumentos do IVA, dos medicamentos, dos transportes, do gás e da electricidade;
A suspensão das portagens nas “auto-estradas SCUT” sem alternativas viáveis (A25, A24, A23 e A22), acabando com este atentado ao direito à livre circulação que não só prejudica seriamente serviços públicos, como os prestados pelos bombeiros, como encarece os custos de transporte das mercadorias que consumimos e dificulta o escoamento dos produtos regionais, pondo em risco muitas micro e pequenas empresas agrícolas, industriais e comerciais, alem de também prejudicar o turismo;
A construção de uma via de comunicação estruturante que ligue Montalegre, Chaves, Vinhais e Bragança;
Defesa do direito das populações, dos organismos públicos e empresas do interior ao acesso democrático às novas tecnologias, ao sinal digital e a TDT, promovendo a info-inclusão;
Investimento público que promova o desenvolvimento sustentável do interior e discriminação fiscal posotiva para as empresas com principal actividade sediada no interior, no sentido da criação de emprego de modo a fixar as populações, em particular os mais jovens;
Aumento do financiamento das universidades e dos institutos politécnicos, que constituem importantes pólos de desenvolvimento do Interior, para impedir o aumento da propina máxima proposto pela CRUP, bem como o reforço da acção social escolar, mormente das bolsas de estudo, de modo a estancar o dramático abandono escolar de milhares de estudantes do ensino superior;
A criação de medidas de apoio ao investimento, adequadas às pequenas explorações agrícolas familiares, e de apoio aos agricultores das regiões do interior mais afectadas pela seca, nomeadamente através da criação do seguro de rendimento e da reposição do benefício nos seguros de colheita, e a institucionalização do Banco de Terra que permita que muitos desempregados de outros sectores de actividade, ou jovens à procura do primeiro emprego, possam ter na agricultura uma perspectiva de futuro, bem com outros agricultores que pretendam redimensionar as suas explorações;
Preservação do domínio público da gestão, titularidade e abastecimento da água;
Apoio à produção, divulgação e comercialização dos produtos endógenos das regiões do interior, desde o artesanato, aos enchidos, ao queijo, ao vinho e à fruta.
Apoio aos projectos culturais e artísticos que espelham a alma e a criatividade do nosso povo e definem o espaço identitário das regiões do interior, facilitando o desenvolvimento local a partir do nosso vasto património cultural, numa perspectiva da “glocalização” (pensar global, agir local”), de modo a promover a cooperação transfronteiriça e o cosmopolitismo intercultural;
Suspensão da instalação de linhas de muito alta tensão na região do Alto Douro Vinhateiro, que pode pôr em causa a classificação de Património Mundial da UNESCO;
Suspensão da construção da barragem do Tua que vai destruir o vale e a Linha do Tua, prejudicando as populações e o seu património natural e paisagístico;
Reabertura do troço da Linha da Beira Baixa entre a Guarda e a Covilhã, depois da sua urgente modernização e a reabertura da Linha Beja-Funcheira, electrificada desde Casa Branca, como via de ligação do interior alentejano ao Algarve;
Mais celeridade na recuperação ambiental das minas desactivadas, em particular das minas de urânio e a sua posterior monitorização, bem como a concessão de indemnizações às viúvas dos mineiros falecidos devido à exposição à radioactividade, e o urgente cumprimento do programa de acompanhamento médico periódico e gratuito aos ex-trabalhadores das minas de urânio, aos seus conjugues, ou pessoas que com eles vivam em união de facto, e descendentes directos, como previsto na Lei nº 10/2010, de 14 de Junho;
A sujeição obrigatória a Consulta Popular de qualquer proposta de extinção ou fusão de freguesias, as autarquias de maior proximidade às populações, recusando a imposição governamental de agregações ou fusões forçadas.
A concretização do imperativo constitucional da Regionalização.
Viseu, 17 de Março de 2012