sábado, 03 novembro 2012 16:19

Governo de esquerda e “anulação do debate estratégico”

Contributo de Mário Tomé.

I

«Os movimentos inorgânicos são ineficazes. A luta organizada é a única que o capital teme.»

Duas frases feitas, da autoria de um dos expoentes máximos da organização da forma política chamada partido e da movimentação das massas devida e previamente enquadradas ideológica e politicamente. Se as olharmos dum ponto de vista revolucionário, dialéctico, trata-se obviamente de duas afirmações falsas. Na verdade, são os movimentos “inorgânicos” que o capital, por intuição fundada na experiência histórica, confessa, a contrario, realmente temer: porque «são incontroláveis…Por quem, camaradas?

Isto a propósito da ideia, expressa num texto muito bem argumentado, publicado no «Debates 2», sobre a necessidade do governo de esquerda como estratégia.

Em minha opinião é difícil contestar o carácter estratégico do governo de esquerda. O governo de esquerda, como está definido na Moção A, constitui a resposta política à cidadania que tem vindo a ocupar a rua exigindo o fim da troika e do seu governo. Se a linha de demarcação com a direita é a política da troika e isso é percebido e integrado pelo movimento social – ao ponto de o próprio governo, para justificar a insistência na sua política social e economicamente criminosa, ter adoptado a palavra de ordem “expulsar a troika”! – torna-se então absolutamente coerente a exigência da demissão do governo responsável pela execução da política imposta pela troika.

A exigência de eleições, dando a palavra ao povo, para nos livrarmos do governo da troika e tentar travar a razia bárbara pertence ao domínio da táctica. Ou seja não configura ainda um objectivo político decisivo que signifique uma alteração radical da correlação de forças.

A movimentação popular dá sinais de poder sustentar ou pelo menos viabilizar uma política que concretize três objectivos imperiosos hoje: parar a revanche ideológica e suicidária; impedir o esgotamento das forças materiais e anímicas da sociedade e, pelo contrário, apoiar o potencial de revolta acumulado; finalmente lançar um contra-ataque que reponha os níveis mínimos de equilíbrio económico e social como base de partida para a recuperação da soberania popular.

É a expressão, a que temos vindo a assistir, da consciência colectiva desses anseios, transformada em vontade colectiva, que poderá conferir ao movimento social “inorgânico” a capacidade de organização que tanto preocupa os organizadores profissionais da vontade das massas.

Ao Bloco, como partido popular e socialista, compete apresentar ao movimento real as propostas políticas alternativas que objectivem a orientação colhida da participação activa nas lutas e manifestações populares. É isso que representa o conteúdo político do governo de esquerda. O objectivo de um governo de esquerda é a resposta adequada às características do movimento. E sê-lo-á na medida em que for configurado exclusivamente em torno de um programa que inscreva a resposta aos reais interesses económicos e sociais do amplo movimento que têm vindo a ser traçados nas calçadas das nossas cidades. Essa resposta servirá de polo para a organização do movimento social, e potenciará uma mudança radical na política da governação sustentando uma dinâmica anti-capitalista que define o carácter estratégico ao governo de esquerda.

II

Os sovietes não foram criação do partido bolchevique que, aliás, em devido tempo se livrou deles; os conselhos operários não foram criação do partido comunista alemão, nem sequer dos spartakistas; a espinha dorsal da luta revolucionária no PREC foi constituída pelas comissões de moradores, de ocupação de casas e de terras, de formação de escolas populares, de criação de “centros de saúde”; pelas comissões de soldados, pelas comissões de saneamento político dos fascistas e pides e pelas comissões de trabalhadores; e os sindicatos não foram criados pelos partidos por muito que alguns julguem que sim, são a expressão organizada do movimento “espontâneo” dos trabalhadores.

No fervilhar revolucionário do PREC os partidos tentaram orientar-se, lutando pela hegemonia ou pelo controlo, cada um com a sua ideologia, no meio da “organização espontânea” que impunha a política do movimento real; e muitos deles só atrapalharam, para sermos doces nos epítetos.

Não concordo, portanto, com a ideia de que o governo de esquerda possa ter uma orientação ideológica como propõe o artigo a que tenho vindo a referir-me. Uma “orientação ideológica” remeter-nos-ia para uma luta organizada a partir de cima, esquemática, dependente, cedo ou tarde alheia à materialidade do movimento; ou seja tenderia a impor uma finalidade, um caminho, um rumo, divorciados do carácter do movimento que justifica o governo de esquerda.

O movimento exige política que será o factor fundamental para o surgimento da organização na relação dialéctica entre vontade colectiva dos agentes individuais, políticos, sociais e económicos que compõem o movimento e a política do governo de esquerda. A “orientação ideológica” do governo forçosamente falsificaria a dialéctica da relação e interacção dos dois.

Um partido de esquerda tem como tarefa fazer a síntese das reivindicações do movimento real com a teoria social, política e económica e apresentar propostas de acção. Aos partidos de esquerda exige-se uma compreensão dialéctica do movimento social que deve ser a sua bússola. O governo de esquerda será o sextante que vai fazendo a avaliação da consonância das políticas decretadas e em execução com as propostas, exigências e conquistas, sucessivamente mais avançadas, da movimentação popular.


III

Claro que um governo de esquerda “não é um fim em si mesmo” mas é o objectivo estratégico que, do ponto de vista do Bloco, na caminhada para o concretizar e, uma vez alcançado, permitirá, na situação actual, materializar a possibilidade de o movimento social se organizar e estruturar solidamente numa perspectiva de transformação radical.

Ou seja, compete ao governo de esquerda ir propiciando condições políticas e materiais para a organização própria dos trabalhadores tomar consciência da necessidade de controlar a economia. Em última análise, apenas o poder económico dos trabalhadores pode vencer o poder económico do capital.

O governo de esquerda é, pois, a resposta estratégica na actual situação. Tanto mais quanto a sociedade em geral não consegue elaborar um programa alternativo capaz de responder positivamente. A alternativa ao governo de esquerda é a ditadura da finança.

Aliás, não faz sentido o argumento, colhido noutro texto de “Debates2” de que “a insistência obsessiva [obsessiva porquê?] na palavra de ordem de um ‘governo de esquerda’ contribui mais para anular o debate estratégico do que para o esclarecer”.

Qual seria então o debate estratégico? Qual é o debate estratégico que está colocado objectivamente? Não será na verdade o de contribuir para a solidez e organização próprias do movimento social empenhado numa luta radical contra a radical agressão que sofre o povo por parte da troika e do governo, seu agente? E que melhor contributo que o da possibilidade de pôr em execução as reivindicações populares imediatas e dar-lhes consequência?

Hoje como nunca, o BE tem um programa poderoso, coerente e com fundamentos teóricos inquestionáveis, gerado na compreensão e em consonância com as reivindicações populares gritadas a plenos pulmões; com argumentos teóricos e políticos que fazem caminho pela Europa toda, com pontos mais altos que outros como não podia deixar de ser.

O internacionalismo já não tem a ver (alguma vez teve?) com a orientação centralizada, fundamentalmente ideológica, isto é finalista, inoperante, em última instância reaccionária. O internacionalismo inspira-se na diversidade política que potencie a unidade dos trabalhadores na luta pela transformação radical de uma base económica e social comum, a única base sólida para o movimento revolucionário.

Se o “debate estratégico” não tem a ver com isto, ele pode ser um grande e urgente debate mas não é o debate estratégico para a guerra de hoje.

 

 


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