O NECESSÁRIO E O URGENTE - O BLOCO E A REFORMA ADMINISTRATIVA
Ainda que as próximas eleições sejam as que se realizam nos Açores, a próxima prova de fogo que se nos depara são as Autárquicas de 2017. É aí que se joga a consolidação da implantação do BE enquanto uma real alternativa de esquerda.
Mas, por outro lado, vai servir de barómetro à geringonça, testando uma eventual recuperação do PSD ou do PS, bem como a manutenção da influência do PCP – todos estes partidos com fortes tradições no poder local e com vastas redes clientelares instaladas.
Qualquer tentativa de leitura de resultados a nível global estará contaminada, à partida, se não houver a apresentação de listas autónomas em todos – sublinho, todos – os locais. Sabe-se que tal não virá a acontecer, em grande medida por falta de implantação local no interior e nas zonas vincadamente rurais.
Com uma vocação decididamente urbana e litoral, é a estas zonas que o BE deverá estar particularmente atento aos resultados que aí vier a atingir.
Para testar a consolidação do seu eleitorado as leituras deverão ter em linha de conta a capacidade de apresentação de listas próprias e de programas distintos dos demais concorrentes.
Especialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. E, dentro destas, a de Lisboa, porque aí se desenha a forte possibilidade de eleição directa da figura de Presidente da Área Metropolitana de Lisboa, ainda no segredo dos deuses do gabinete de Eduardo Cabrita
Neste contexto de ameaças ao exercício do controlo democrático do exercício do poder local, em que as opções programáticas visam a alimentação das redes clientelares dos partidos, o pior que poderia acontecer ao BE seria manter-se numa atitude reactiva, a qual, aliás, tem vindo a pautar a nossa acção colectiva no âmbito autárquico.
Está tudo por fazer. A nossa fraca implantação nos órgãos de poder local faz-nos estar em nítida desvantagem neste tipo de contenda eleitoral:
Desde logo, existe um fraco conhecimento sobre as realidades locais, sobre os problemas concretos das populações. E a apresentação de soluções gerais do tipo pronto-a-vestir não convence ninguém.
Acima de tudo, há uma falta de clarificação sobre qual deverá ser o conjunto de competências que, sob o ponto de vista do Bloco, deveria ser adstrito ao poder local, como se processar a transferência de poderes do Administração Central para a Local, em suma, qual o Ordenamento Administrativo e Territorial que devia ser posto em prática para tornar Portugal mais solidário, mais eficaz, mais justo e para contribuir decisivamente para a aproximação entre o poder politico central e as populações, reforçando a democracia e o livre exercício de opções.
Sem este fio condutor, sem esse horizonte politico, as acções do BE ao nível autárquico permanecerão avulsas e reactivas. E pouco credíveis.
É urgente um debate interno alargado e aprofundado sobre a Organização Administrativa e o Ordenamento do Território que permita ao Bloco possuir uma ideia nacional de coesão e de como deve ser entendida a gestão do território, com que competências, com que órgãos e com que financiamento.
Permitir a manutenção do status quo actual é errado, mas afirmar que se deve voltar atrás na pseudo-reforma do Relvas é igualmente errado.
E é perigoso, reduzir a questão da Administração Local à possibilidade de existência de referendos locais para resolução dos problemas das populações. Perigoso, porque é uma recusa em enfrentar uma questão potencialmente muito fracturante na sociedade.
Encare-se de frente o problema: Não existe neste momento nenhuma reflexão séria sobre a Reforma Administrativa dentro do BE, mas deveria haver. Não existe uma análise sobre os custos da existência de mais de 300 municípios, nem sobre os seus putativos benefícios para as populações. Não existe uma resposta à pergunta – porque é que Constância é um Concelho? Porque é que existem dois Concelhos na Ilha de São Jorge (para 8 mil habitantes)? Deverá Barcelos ter mais de 80 freguesias? Haverá uma justificação válida para a multiplicação de estruturas consumidoras de recursos públicos que em nada contribuem para o bem estar das populações nem para a resolução dos seus problemas? Qual a função dos Distritos depois de extintas as vestusas instituições dos Governos Civis? Apenas enquanto círculos eleitorais? E, nesse caso, que relação existe entre Grândola e Almada, ou entre Espinho e Aveiro?
Pois é. Não sabemos responder a estas questões, mas deveríamos sabê-lo.
Mas há ameaças muito concretas que se colocam ao nível do exercício democrático do poder local e face às quais temos o dever moral de desenvolver linhas de defesa dos interesses públicos (isto é, da população) e congregar esforços e vontades através do estabelecimento de pontes com quem luta com o mesmo fim:
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A questão da gestão dos fundos comunitários, do seu controlo efectivo e qual a definição das suas opções de investimento;
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A municipalização do ensino, um primeiro passo para a sua privatização, e balão de ensaio para a privatização de outros serviços públicos apetecíveis, com a Saúde à cabeça;
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A proliferação de PPP (ainda que sob outras designações) em sectores chave como as infra-estruturas, os transportes, a água, a gestão de resíduos, a energia ou a protecção das áreas afectas à Reserva Ecológica Nacional ou à Reserva Agrícola Nacional.
Não defendo a priori nenhuma forma de repartição de competências, nem coloco em dúvida a necessidade de se proceder a uma efectiva regionalização. O que questiono é a falta de clarificação interna sobre este tema.
A meu ver abrem-se dois caminhos que obrigatoriamente deveríamos trilhar:
O Necessário, que passa pela criação de uma Estrutura de Análise interna que equacione uma Reforma Administrativa racional, eficaz e eficiente, democrática e participativa e que se preocupe a responder à questão-chave de destrinça entre as funções que devem ser mantidas na esfera central e as que funcionam melhor ao nível local – é a perspectiva de futuro que possibilita ao Bloco possuir um eixo orientador da sua acção política;
E o Urgente, onde é necessário de imediato criar as bases que possibilitem a aquisição de conhecimento sobre a realidade local, com estudos socioeconómicos de base local/regional, que permitam a identificação dos problemas actuais das populações que possam ser resolvidos no quadro legal em actualmente em vigor – e que possibilitem o desenvolvimento de programas eleitorais adaptados à diversidade de situações no terreno. Para tal, há que repensar a estrutura e os objectivos do Grupo de Trabalho Autárquico.
Nas próximas Autárquicas joga-se a credibilidade do Bloco de Esquerda enquanto alternativa de esquerda quer a um PS clientelar quer a um PCP passadista. E para tal, há que assumir as nossas insuficiências e trabalhar arduamente para as colmatar.
O urgente tende a sobrepõe ao necessário. Ousemos fazer ao contrário!