Plenário nacional de subscritores da Moção U Lisboa, 21 de Março de 2015
RESOLUÇÃO POLÍTICA
1. A situação política europeia redefiniu-se radicalmente com a chegada ao poder do primeiro governo anti-austeridade desde o início da crise. Nessa mudança, confirma-se a opção aprovada pelo Bloco na última Convenção: o principal instrumento de dominação da burguesia financeira da Europa é hoje a chantagem da dívida e da austeridade e é perante esse centro que se definem as alternativas políticas.
2. A unanimidade nas instituições europeias contra a Grécia e contra a renegociação da sua dívida mostra a que ponto chega a assimilação da social-democracia europeia pela política do Tratado Orçamental, a austeridade perpétua. As dificuldades de afirmação da nova liderança do PS português resultam precisamente da ausência de compromissos contra a austeridade e a dívida e da natureza da corrente europeia em que se insere.
3. Se a vitória do Syriza confirma em definitivo a natureza autoritária e liberal das instituições da UE, também é certo que a expectativa criada pela chegada da esquerda ao poder na Grécia é tanto maior quanto, também na Espanha e na Irlanda, se afirmam alternativas políticas com potencial de vitória eleitoral. Pela dimensão da economia espanhola, essa mudança, ainda muito incerta, desestabilizaria profundamente o poder da finança no plano europeu.
4. O acordo saído do Eurogrupo tem o prazo de quatro meses, mas já enfrenta a instabilidade de uma economia deprimida e onde a renegociação da dívida continua pendente. Para a Grécia, o confronto com as instituições europeias será mais agudo nas suas próximas etapas. A solidariedade da esquerda europeia e de amplos setores da opinião pública são essenciais nesta batalha. Como sublinha o texto da Moção U aprovado na Convenção, a esquerda deve “assumir todas as possíveis consequências do confronto com as instituições da União Europeia. Este caminho alternativo pode resultar num rompimento com a união monetária”.
5. O Bloco é a expressão portuguesa de uma esquerda que partilhou o ciclo de lutas anti-austeridade, que se constitui em alternativa ao rotativismo ao centro e que confronta a burocracia europeia em nome dos direitos sociais contra a austeridade e a dívida. Já o dissemos: se tivermos que escolher entre mais sacrifícios e destruição social – o único caminho que a União Europeia hoje propõe – e a defesa do Estado social e da soberania política do país, faremos a segunda opção. Os próximos meses serão de grande aceleração política, com a experiência grega e a crise europeia no centro da luta. Nas atuais circunstâncias, sob a pressão da bipolarização e do voto útil, a elaboração do programa e da campanha impõem à direção do Bloco, à Mesa Nacional e a todo o partido, redobrada disposição para o trabalho militante de informação, análise e resposta.
6. Na sua condução política nesta fase, o Bloco deve concentrar o seu discurso na luta contra a austeridade, a dívida e as políticas do Tratado Orçamental, bem como na necessidade do controlo público do sistema financeiro e bancário, instrumento estratégico para a política económica.
7. As eleições legislativas de setembro/outubro serão um enfrentamento duro, num quadro europeu turbulento. O programa, a campanha e os objetivos eleitorais têm de estar a esse nível. O programa deve indicar as medidas essenciais de uma alternativa de esquerda no período pós-austeridade. O objetivo deve ser ampliar a sua representação parlamentar. Nenhum círculo eleitoral pode ser descartado e, pelo contrário, a lista de candidatura em cada círculo deve ser representativa e ter o maior reconhecimento público possível. Para isso, o processo de elaboração das listas deve ser participado abertamente pelos aderentes desde o seu início, da forma mais transparente.
8. O espaço político que coloca a renegociação da dívida e a rejeição do tratado orçamental como condições de fundo para o fim das políticas de austeridade e para a defesa do Estado social, exige representação na disputa das eleições presidenciais. Configuram-se condições políticas para o surgimento de uma candidatura independente com características unitárias neste campo. A eventual ausência dessa alternativa unitária com um programa claro poderia conduzir o Bloco a lançar uma candidatura.
9. O modelo de coordenação política que resultou da Convenção, com um sistema composto por uma Comissão Permanente, que assume a coordenação política do partido, e uma porta-voz nacional, tem respondido positivamente às expectativas geradas. Não se concretizaram as profecias de uma direção fraturada entre “seis coordenadores”. O funcionamento da Comissão Permanente tem sido coletivo, sem divergências de fundo ou votações diferenciadas, e a porta-voz obtém crescente reconhecimento interno e na representação do Bloco.
A forma de participação do Bloco nas eleições regionais da Madeira constituiu o primeiro teste à direção, à capacidade de debate interno e à possibilidade de decisões com amplo apoio. O debate foi intenso e profundo, com diferenças que cruzaram as fronteiras das várias sensibilidades internas, e incluiu duas reuniões da Mesa Nacional que resultaram numa decisão praticamente consensual, baseada na resolução proposta pela Coordenadora Regional da Madeira.
10. Os promotores da moção U dão por findo o trabalho da Convenção, reconhecendo o valor inestimável da participação de tantos/as aderentes em todo o processo preparatório, na elaboração da moção U, nos debates e na escolha dos caminhos pós-convencionais. A moção U é hoje o texto que orienta a ação política do Bloco. Neste contexto, os promotores da moção U decidem abrir um espaço – a Plataforma Unitária, coletivo de reflexão política interna com articulação nacional – para estimular a elaboração de propostas, impulsionar a plena democracia interna, o funcionamento dos órgãos eleitos e a participação de todos/as nas decisões que mais importam.
Esta plataforma não se constitui em tendência. A Plataforma Unitária reúne-se em plenários nacionais e distritais e a sua iniciativa é animada, aos diversos níveis, pelos camaradas que participam na Plataforma e foram eleitos para responsabilidades correspondentes na estrutura do Bloco de Esquerda (a coordenação nacional é feita pelos eleitos da MN; a coordenação distrital cabe aos eleitos na coordenadora distrital respetiva).
11. A Plataforma Unitária abre-se à participação de todos/as quantos se identifiquem com os seus objetivos e mantém um apelo essencial à unidade do Bloco em torno de uma orientação anticapitalista, sem prejuízo da diversidade e das dinâmicas democráticas internas. Depois de uma Convenção marcada pela divisão, construir uma orientação comum e uma proposta política forte para um período difícil implica a reconstrução das relações de confiança na direção. Não se trata de intenção hegemónica, mas antes de construir resoluções maioritárias com abertura, pluralidade e participação, porque a vida interna não se resume à preparação do próximo confronto e do outro depois desse. Essa é uma responsabilidade de todos e não pode recair apenas sobre uma parte do Bloco.
12. Desde a última Convenção, registaram-se consensos substanciais na Mesa Nacional e na Comissão Política, tanto sobre as opções políticas como sobre a condução quotidiana do partido. Assim, a Plataforma Unitária dirige-se a todas as sensibilidades internas, formalmente organizadas ou não, para que, para além das decisões de calendário imediatas, nos empenhemos conjuntamente num acordo quanto às grandes escolhas do partido até à X Convenção, prevista para finais de 2016: programa e listas nas eleições legislativas, política para as presidenciais, elaboração conjunta de uma moção comum à X Convenção.
No ciclo que o Bloco atravessa e depois da experiência da IX Convenção, a contagem de espingardas não pode tornar-se o método para formar equipas e decidir iniciativa, a crispação e o desgaste não podem ser o ambiente do trabalho político. Só o compromisso prático com a construção de respostas consensualizadas pode evitar a transformação do partido numa coligação de sensibilidades e grupos. Só esse compromisso lhe permitirá reconstruir a confiança para voltar a crescer e estar à altura do momento do país.
(Texto originalmente publicado aqui.)