A escolha da cidade de Guimarães para candidata a Capital Europeia da Cultura não foi surpreendente. Surpreendente seria, pelo contrário, a escolha de Coimbra.
É do conhecimento público que o Bloco de Esquerda defendia que Coimbra fosse candidata. Afirmámo-lo no nosso programa eleitoral, e agimos em consonância quando, na assembleia municipal, apresentámos uma moção que defendia a preparação de uma candidatura credível e forte, que servisse para conferir à cultura um papel de centralidade como motor do desenvolvimento da cidade e da região. Considerávamos que a designação de Coimbra como Capital Europeia da Cultura poderia constituir uma oportunidade para a inversão da péssima política cultural autárquica dos últimos anos, no sentido de recuperar o tempo e os espaços perdidos.
De outro teor era a moção proposta pelos partidos da direita: pedir "pelas alminhas" ao Governo que designasse Coimbra como a dita capital, salientando aqueles que são os nossos mais desbotados pergaminhos: capital nacional da cultura 2003, cidade do conhecimento, etc., etc. Como realcei na altura em que o artigo foi publicado pelos jornais, esta lógica mendicante surgia já como uma estratégia de embuste por parte de Carlos Encarnação e do executivo camarário, bem como da direita na assembleia municipal. Apesar de termos aprovado a proposta, por corresponder a um desígnio da cidade, não deixámos de alertar para o que considerávamos ser, da parte do executivo camarário, uma vontade de nada fazer, uma encenação para a imprensa e - mais ainda - apenas uma manobra calculada de mais uma estratégia de vitimização (tão do hábito do presidente da câmara), quando a designação de candidata a Capital Europeia da Cultura fosse atribuída, com muito mais justiça, a uma outra cidade - uma cidade com um dinamismo no âmbito cultural que Coimbra há muito não conhece.
Na última reunião da assembleia municipal, interpelámos directamente o presidente da câmara sobre o andamento da elaboração da candidatura. Encarnação optou por um silêncio ensurdecedor - mas revelador, mais uma vez, daquilo que os acontecimentos dos últimos dias e as suas declarações confirmam: que a autarquia não estaria disposta e não seria capaz de levar a cabo uma inflexão política, assumindo a cultura como vector primordial de desenvolvimento, e a respectiva gestão de uma forma dinâmica, arrojada, participada e estruturada; que só esta inflexão, manifesta na apresentação de um projecto de capital da cultura que fosse simultaneamente um projecto de futuro para a cidade, poderia ser meritória da designação de Coimbra como candidata, face a um presente em que o panorama das iniciativas culturais, da responsabilidade da autarquia, não é mais do que árido; que o presidente da câmara, como é seu hábito, jamais assumiria as responsabilidades que efectivamente tem na decadência cultural de que Coimbra padece, por culpa de uma política cultural ou ausente ou incorrecta; que Encarnação se escudaria por detrás do suposto desprezo do estado central em relação à cidade, sem pôr em causa, como seria digno, as opções políticas e os actos do seu próprio executivo.
Só não previmos o seguinte: que o líder da "oposição" socialista, Vítor Baptista, atribuísse o facto de Coimbra ter sido preterida a um revanchismo do Estado central por causa da oposição da câmara à co-incineração em Souselas - a qual, como já denunciámos e os acontecimentos comprovam, é mais simbólica do que efectiva ou eficiente -, argumento falacioso e irresponsável, que constrói mais uma cortina de fumo para aquilo que o presidente da câmara não quer e não vai fazer: intervir com seriedade na cultura.
Desta maneira, os dois principais partidos parecem pautar-se pela mesma cartilha, convertendo a política na nossa cidade naquilo que, infelizmente, tem vindo a ser há já demasiado tempo: uma série de birras, encenações e manobras de diversão. Com estes senhores, Coimbra jamais será capital do que quer que seja - a não ser do embuste.