terça-feira, 09 junho 2009 13:04

Manifesto Europeias 2009

 

 

 


Compromisso eleitoral

Candidatura do Bloco de Esquerda

Europeias 2009

 

 

A lista apresentada pelo Bloco de Esquerda às eleições europeias de Junho de 2009, composta por activistas partidários e por cidadãos e cidadãs independentes de esquerda, situa a sua intervenção no contexto e no respeito pelas orientações definidas pelo Bloco de Esquerda na sua VIª Convenção Nacional para todo o ciclo político de 2009 e 2010.

O combate europeu do Bloco de Esquerda é o mesmo que o distingue em Portugal: junta forças, proposta e alternativa com quantos se revêem na urgência de uma ruptura com as politicas e os políticos que colocaram o planeta, a Europa e o nosso país numa crise social de proporções incalculáveis.

 

 

A nova crise de um velho sistema

 

As eleições europeias serão marcadas pela crise financeira, económica e social que está a varrer o planeta, a Europa e cada um dos seus países.

A tragédia social provocada pela crise exige e impõe a ruptura com as políticas e com os políticos que por ela devem responder. A crise não é um castigo divino, uma catástrofe natural ou, sequer, o fruto da ganância de alguns banqueiros e especuladores bolsistas. A crise que enfrentamos é filha de orientações políticas e económicas precisas - as que foram seguidas pelas instituições financeiras e pelos governos do primeiro mundo desde os anos 80, fossem estes de direita, de centro ou de centro-esquerda.

Na Europa, as comissões europeias posteriores ao Tratado de Maastricht seguiram, sem excepção, a cartilha neo-liberal e em Portugal o mesmo sucedeu com os governos, de Cavaco Silva a José Sócrates. Todos, sem excepção, acreditaram que o crescimento económico dependia da livre circulação dos capitais pelo mundo, que o enriquecimento sem limites de alguns era uma condição do bem comum e que o mercado, qual Deus ex machina, seria capaz de substituir, progressiva ou radicalmente e com vantagem, as obrigações e direitos sociais consagrados pelos Estados.

Este é o balanço que vai estar em causa nas eleições europeias. Os eleitores e as eleitoras terão a oportunidade de julgar, não apenas a política da comissão presidida por Durão Barroso, como também a dos governos europeus, incluindo o de José Sócrates. Infligir uma séria derrota eleitoral aos responsáveis pela tragédia social em curso não é apenas um imperativo de justiça sobre o passado; é também a garantia de que a saída da crise se não fará à custa dos mesmos de sempre.

 

A candidatura apresentada pelo Bloco de Esquerda fará campanha contra uma crise cuja superação exige novas políticas e uma nova geração de responsáveis políticos. Chegou o tempo de confrontar e derrotar, com coragem e ousadia, o credo e a ordem neo-liberais. Na Europa como em Portugal e em Portugal como na Europa, esta é a convicção que orienta o nosso compromisso.

 

"Correr atrás do prejuízo"

 

A União Europeia que temos, com a ideologia que a domina, não tem estado à altura das responsabilidades que a crise impõe.

A espiral recessiva em que a Europa se encontra é tão profunda quanto a dos EUA ou do Japão. Apesar disso, Bruxelas revela-se incapaz de concertar uma estratégia comum para o relançamento das economias. A crise evidencia os limites e fraquezas de uma construção europeia que unificou os mercados mas sempre se recusou a desenvolver políticas comuns para defender o emprego e melhorar a protecção social.

Os líderes europeus começaram por subestimar os sinais de crise que, desde 2007, se anunciavam do outro lado do Atlântico. Eles sabiam que os lucros realizados na esfera financeira tinham deixado de ter qualquer correspondência com o crescimento da produção, que era medíocre; sabiam, também, que a parte do Trabalho nos rendimentos do primeiro mundo perdia peso, ano após ano, em favor do capital; finalmente, sabiam que a contenção que impuseram aos salários e pensões se fazia a troco de uma ilimitada e irresponsável expansão do crédito para consumo e habitação. Eles sabiam, porque foram os responsáveis pela fabricação deste "milagre" com pés de barro. Apesar disso, acreditaram que a Europa estaria ao abrigo das ondas de choque da crise que emergia nos Estados Unidos da América. Só esta miopia explica que, em Julho de 2008, o Banco Central Europeu tivesse aumentado, pela enésima vez, as suas taxas de juro, e que, até meados de Outubro, as tivesse mantido, numa inaudita demonstração de autismo.

Só com a casa a arder, os quatro grandes de Bruxelas tomaram as primeiras medidas destinadas a salvar a banca e os banqueiros do naufrágio. Como se sabe, nenhuma delas estabilizou o sistema financeiro ou impediu que a gangrena da recessão se instalasse na Europa. Desde o inicio que os líderes europeus "correm atrás do prejuízo" e assim continuam. Todos apresentaram aos respectivos parlamentos Orçamentos de Estado irrealistas, misturados com anúncios de intenções. Só em Dezembro os governos discutiram um pomposo "plano" da Comissão Barroso, que se limitava a juntar, num cardápio de medidas avulsas e não raro contraditórias, as diferentes promessas nacionais. Na verdade, o plano é "cada um por si", porque essa é a vontade que anima cada governo. Ante a crise, a "Europa de cima" perde por falta de comparência e revela-se tão impotente quanto os primeiros-ministros que a dirigem.

Quando a progressão galopante do desemprego e da precariedade exigiria novos recursos postos em comum e políticas europeias sectoriais fortes, os governos que pensam aguentar-se sozinhos recusam compromissos e os restantes resignam-se. A maioria dos líderes e Durão Barroso invectivam a França porque esta quer condicionar os apoios públicos ao sector automóvel à manutenção dos empregos e à garantia de que novas fábricas para carros menos poluentes se instalem no país; mas, ao mesmo tempo, a União é incapaz de chegar a uma estratégia comum para este sector vital da indústria europeia, responsável por dois milhões de empregos directos.

 

A candidatura apresentada pelo Bloco de Esquerda defende que os apoios públicos sejam condicionados, em escala europeia, à manutenção dos empregos, que os despedimentos preventivos devem ser proibidos e que a deslocalização de empresas financiadas com capitais e apoios públicos deve ser duramente penalizada. Pensamos ainda que a distribuição de dividendos em empresas com apoios públicos deve ser suspensa. Em contrapartida, as políticas de crédito devem obedecer a critérios de interesse público, favorecendo o relançamento da economia. A banca nacionalizada tem, na generalidade dos países, condições para impor ao mercado bancário, regras não usurárias que o sector financeiro privado seguirá se não quiser perder os seus clientes. É em tempos de crise que melhor se vê a quem servem as politicas e os políticos.

 

A mesma paralisia e o apego ao credo da "liberdade de estabelecimento e concorrência" têm marcado a presença europeia nos fóruns internacionais. A União deveria concentrar-se numa agenda de reforma do sistema monetário internacional, insistir no encerramento dos offshores e na regulação pública do sistema financeiro. Deveria ainda bater-se pela prioridade no combate à pobreza, que progride, avassaladora, nos países mais desprotegidos do planeta. Estas não são, contudo, as prioridades dos líderes europeus. Em 2008, as ajudas ao desenvolvimento dos países do primeiro mundo não ultrapassaram 0,3 por cento do respectivo PIB agregado e é de recear que a crise sirva de pretexto para novos cortes.

A braços com eleições domésticas e com a pressão das respectivas elites nacionais, os governos disparam medidas em todas as direcções, evitando, afinal, a escolha decisiva: é ao capital e não ao trabalho que se devem ir buscar os recursos para enfrentar as dificuldades.

A crise evidencia a falência do projecto europeu tal como o conhecemos. O ocaso da União quando os que sofrem mais precisariam dela, constitui, em si mesmo, a certidão de óbito de uma estratégia fundada no mercado único e na moeda, mas amputada de políticas públicas fortes nos planos económico e social. Para o tempo que aí vem, Bruxelas não está preparada.

 

A candidatura apresentada pelo Bloco de Esquerda responde à gangrena do desemprego e da precariedade com a exigência de uma refundação democrática e social do projecto europeu.

Ante a crise, os europeus precisam de uma União com coragem para mobilizar os recursos que coloquem a solidariedade e o emprego no centro das políticas europeias. A urgência social funda o compromisso desta campanha e a atitude dos que forem eleitos para o Parlamento Europeu.

 

O Tratado de Lisboa já era

 

Um novo Tratado Europeu, preparado em moldes democráticos, é indispensável para que as instituições europeias respondam à cidadania europeia e sejam capazes de lançar e sustentar as políticas que a crise exige.

Ao longo do mandato que agora termina, o eurodeputado do Bloco de Esquerda teve oportunidade de desenvolver, em Portugal e noutros países europeus, críticas fundamentadas que motivaram a rejeição do texto do primeiro Tratado Constitucional, chumbado por franceses e holandeses em referendos extraordinariamente participados, e à sua sequela, o Tratado de Lisboa, entretanto recusado pelos irlandeses. Apesar de chumbado por três dos cinco povos que se puderam pronunciar em referendo, as elites europeias continuam a insistir na sua entrada em vigor.

A reincidência no erro coloca no centro do debate europeu a questão da democracia. No labirinto das ratificações, a União revelou os seus piores vícios de autoritarismo e arrogância que, alias, critica em tantos outros. É verdade que o divórcio entre Bruxelas e a cidadania europeia mergulha as suas raízes nas políticas prosseguidas desde os anos 90 e no modo como optou pelo alargamento aos mercados de leste, em detrimento do aprofundamento da vertente social da integração. Mas é indiscutível que o modo como procurou afastar os povos da consulta popular agravou a desconfiança e o cepticismo com que hoje tantos olham para o projecto europeu. Em Portugal, a recusa do referendo confrontou as palavras e os actos dos partidos que se comprometeram com ele, antes de o negarem. Também o valor da palavra dada estará em avaliação nas eleições de Junho.

Entretanto, a crise interroga com nova acuidade o Tratado de Lisboa. Com efeito, ele foi pensado para resolver as dificuldades da "eurocracia" antes da crise se ter instalado de armas e bagagens na vida quotidiana dos europeus. Os objectivos da União, as funções e limites atribuídos a cada uma das instituições, a arquitectura de poder e os processos de decisão previstos, foram desenhados para um tempo que passou. Não é com um mau Tratado do século XX que a Europa responderá aos problemas colocados pelas novas e velhas convulsões do início do século XXI.

A União precisa de um Pacto para o Emprego e o Desenvolvimento sustentável. Contudo, o que o Tratado de Lisboa consagra é um Pacto de Estabilidade, que tem justificado a compressão da despesa social em cada país e que, entretanto, nenhum governo já respeita.

A União precisa de um Banco Central Europeu democraticamente escrutinado e que coloque a política monetária ao serviço da criação de emprego. Contudo, o Tratado de Lisboa confirma um BCE politicamente incontrolável e submetido ao objectivo do controlo dos preços, mesmo que o horizonte dos próximos anos seja o da tenaz do desemprego com deflação.

A União precisa de um quadro financeiro ambicioso, que lhe permita impulsionar serviços públicos e políticas sectoriais de escala europeia. Contudo, o Tratado de Lisboa impede orçamentos com saldo negativo e sujeita qualquer medida de ordem fiscal ao espartilho da unanimidade entre os 27.

A União precisa de harmonizar os direitos do Trabalho no interior das suas fronteiras, para evitar a concorrência entre trabalhadores de diferentes países, como recentemente ocorreu no Reino Unido. Só uma estratégia de nivelamento de direitos pode, num contexto de crise, contrariar com sucesso, o renascimento das reacções de tipo chauvinista. Contudo, ela não é garantida pela Carta dos Direitos Fundamentais, que carece de força imperativa e de que a Inglaterra se excluiu.

A União precisa de instituir o princípio de um rendimento mínimo europeu e uma politica que lhe permita complementar as prestações sociais dos países mais pobres, para realizar objectivos de justiça social e garantir a protecção do poder de compra das famílias mais pobres. No entanto, este horizonte choca com o Tratado de Lisboa, que relega as políticas sociais para o exclusivo domínio das opções de cada Estado.

A União precisa ainda de uma política europeia de gestão de fluxos migratórios onde a concretização de políticas fortes de cooperação com o terceiro mundo se articule com o direito à mobilidade dos seres humanos, reconhecido pelas Nações Unidas. Contudo, o Tratado de Lisboa apenas "europeíza" o controlo das fronteiras externas e os repatriamentos, mantendo no âmbito dos Estados as políticas de integração.

 

A candidatura apresentada pelo Bloco de Esquerda responde à crise institucional da União com um desafio - que Bruxelas e os governos desistam do Tratado de Lisboa e removam, por via legislativa corrente, os principais obstáculos que os actuais Tratados colocam à emergência social em que a Europa se encontra.

O Bloco será favorável à elaboração de um novo Tratado Europeu pelo Parlamento Europeu, que seja conciso e preciso sobre os objectivos da União, os direitos sociais, ambientais e políticos dos cidadãos, e sobre a arquitectura institucional e as atribuições de cada órgão. Este texto sintético deve ser submetido aos parlamentos nacionais para emendas e, na sua forma final, deve ser referendado e ratificado de acordo com os tratados actualmente em vigor.

 

O desafio do desenvolvimento sustentável

 

A crise económica e social não isenta a Europa de responder com coragem e solidariamente ao desafio imposto pelo aquecimento global do planeta.

Se compararmos as políticas ambientais em escala mundial, a União Europeia encontra-se na primeira linha das respostas ao desafio que o aquecimento global do planeta a todos impõe. Não é por acaso que os movimentos ecologistas por todo o mundo tomam por referência várias políticas europeias quando formulam as suas propostas; ou que idênticos movimentos na Europa invocam a legislação comunitária para forçarem os respectivos governos ao cumprimento das suas obrigações. Se há domínio onde a integração de Portugal na União se revelou positiva, esse foi, sem dúvida, o da exigência ambiental.

A União foi o único grande centro de decisão mundial a introduzir metas políticas num sector que, antes, dependia apenas das regras do mercado. Até 2020 quer reduzir em 20 por cento as emissões de carbono para a atmosfera; diminuir em 20 por cento os consumos energéticos; e aumentar para 20 por cento o peso das energias renováveis no pacote de recursos energéticos. Esta estratégia não está, entretanto, isenta de crítica. A primeira meta é insuficiente. A sua dependência do mercado de emissões de CO2 permite aos países mais ricos exportar as indústrias poluentes para os mais pobres e ainda obterem créditos financeiros por essa via. Na verdade, trata-se de um mecanismo de contenção, quando o planeta precisa de uma estratégia de redução, se quiser inverter a tendência para o aquecimento progressivo.

As duas metas seguintes dependem directamente das políticas energéticas e enfrentam a resistência dos fabricantes de automóveis e das grandes multinacionais do petróleo. A dependência da União face ao petróleo e ao gás da Rússia e da Argélia acaba por contaminar a coerência da própria estratégia. No jogo de influências geo-estratégicas se insinuam o lobby da indústria nuclear e os grandes produtores de biocombustíveis de primeira e segunda geração, que aproveitaram a presidência portuguesa da União para introduzirem a sua própria meta no mix de energias. O objectivo proclamado por José Sócrates e Durão Barroso - atingir 10 por cento de energia produzida a partir de cereais e leguminosas - explicou, pelo menos em parte, a especulação que assaltou os preços dos cereais no último semestre de 2007 e que esteve na origem da justíssima revolta de milhões de pobres em vários países do planeta.

Ao longo dos últimos meses, a estratégia europeia tem sido posta em causa por vários governos. Essa fronda não foi movida por bons motivos. Berlusconi e vários governos de Leste argumentaram com a crise para fazerem recuar as metas ou dilatá-las no tempo. O compromisso alcançado pelos governos europeus em Dezembro é frágil. Por limitadas que sejam as ambições dos 27 e frágeis os mecanismos de mercado em que assentam, a desunião da Europa só facilita a evasão de quantos, dos EUA à China, recusam enfrentar a urgência deste combate decisivo para as gerações futuras.

 

A candidatura apresentada pelo Bloco de Esquerda recusa qualquer pausa ou diminuição de ambição nas metas definidas pela União em matéria ambiental, em nome do combate à crise económica. Pelo contrário, considera que esta é a oportunidade para requalificar, com ajuda do investimento público europeu, os sectores industriais mais poluidores e o momento para mobilizar recursos para políticas de apoio às indústrias de transportes colectivos menos poluentes e de requalificação urbana, com efeitos imediatos na eficiência energética dos edifícios e habitações.

No Parlamento Europeu, o Bloco apoiará as medidas que impulsionem a investigação científica, o armazenamento e captação de CO2 e a diversificação de fontes de energia com exclusão da expansão dos biocombustíveis e da opção nuclear.

O Bloco será ainda favorável a novos acordos internacionais que estabeleçam metas mais exigentes, a penalização dos faltosos e a superação do actual mercado de emissões. Os EUA e a UE, que continuam a ser os maiores poluidores mundiais, devem mutualizar fundos, saberes, tecnologias e investigação com os países emergentes, de modo a alcançar um compromisso mundial nivelado por cima.

A Europa deve ainda envolver-se em projectos partilhados de combate à desertificação e de gestão integrada dos recursos da água e orientar a sua política de investigação científica para o combate às doenças endémicas da pobreza, indissociáveis do ambiente em que se desenvolvem. Finalmente, a Europa deve especializar-se na prevenção de catástrofes, formando um corpo profissionalizado de Soldados da Paz, capaz de intervir em território europeu e fora dele, a pedido, sempre que tal se revele útil e necessário.

 

Novas prioridades para a Europa

 

A Europa de que precisamos para dentro - dotada de políticas sociais que combatam a pobreza, apostada na qualificação e nos direitos do Trabalho, ambientalmente exigente e culturalmente respeitadora das diferenças - é também a Europa de que o Mundo precisa para, solidariamente, enfrentar a galopante progressão da miséria, do desemprego e da precariedade.

A primeira grande crise do capitalismo na era global implica o planeta no seu conjunto. Os destinos do Sul e do Norte estão, mais do que nunca, ligados. O custo social da crise não se reparte igualmente pelos países. Em Portugal, 40 por cento dos desempregados não têm acesso ao subsídio de desemprego, as pensões de reforma mais baixas são miseráveis e o salário mínimo é de 450 euros, menos de metade dos que existem em vários países da União. Mas em África e em grande parte da Ásia e da América Latina não há sequer subsídio de desemprego, pensões de reforma ou salários mínimos. Para milhões e milhões de seres humanos, um ponto a menos no PIB mede a diferença entre a vida e a morte. É nesta realidade profundamente desigual que radica a urgência das políticas de ajuda ao desenvolvimento e a necessidade de encararmos os movimentos migratórios com base no reconhecimento da mobilidade como um Direito Humano. Dois terços destes movimentos fazem-se no interior de cada país e a explosão da miséria nas grandes megalópoles é a sua principal consequência. O primeiro mundo não pode continuar a destinar migalhas para a cooperação enquanto faz das suas fronteiras autênticas fortalezas muradas. O comportamento da União Europeia neste domínio tem sido, simplesmente deplorável. Durante anos, manteve as políticas de imigração na estrita esfera de soberania de cada Estado. Mais recentemente, os governos aceitaram "europeizar" a dimensão repressiva e securitária dessas políticas, não abdicando das suas prerrogativas em matéria de integração. A Europa está, portanto, a construir o edifício de uma política comum pelo telhado. O menosprezo pelos direitos humanos dos imigrantes é o resultado desta estratégia que tem na Directiva do Retorno o seu mais célebre e triste episódio.

Como no desafio do aquecimento climático, que não conhece fronteiras, também a crise económica e social exige que a sua superação se faça com solidariedade, nivelando os direitos por cima, sob pena dela carregar a tragédia sobre os ombros dos mais fracos. Esta é a questão central que hoje separa as águas entre a esquerda e a direita e que irá definir o lugar da União Europeia no mundo.

As liberdades de circulação de capitais, de estabelecimento e de comércio sem barreiras alfandegárias, alteraram significativamente a divisão internacional do trabalho. A China transformou-se na grande fábrica do mundo. A União Europeia, depois de se ter fundado sobre o Mercado Interno, apostou decididamente nesta via, cuja lei tem sido a da conquista de quotas de mercado sem contrapartidas ao nível das infra-estruturas, dos direitos sociais e da formação e qualificação profissionais. Na óptica das multinacionais, o custo do trabalho e a evasão fiscais transformaram-se nos principais factores de decisão para localizar ou deslocalizar unidades industriais. Este processo teve consequências contraditórias: por um lado, muitos países foram colocados fora da corrida industrial; já outros, de maior dimensão, agarraram a oportunidade com as duas mãos. O efeito combinado deste desenvolvimento desigual sobre o velho continente foi o da explosão da precariedade nas relações laborais. A competição por via da contracção da massa salarial explica o enfraquecimento das legislações de trabalho em inúmeros países, o ataque à contratação colectiva, a possibilidade legal de aumentos exponenciais dos horários de trabalho e a diminuição das contribuições para os sistemas de protecção social.

É cada vez mais difícil produzir a preços asiáticos com salários europeus. A crise mundial está a agravar esta contradição porque o crédito que alimentava os níveis de consumo no primeiro mundo se tem vindo a contrair, colocando inúmeros sectores industriais e de serviços em situação de sobre-produção. A deflação dos preços é a consequência anunciada de um movimento recessivo que está a colocar milhões de trabalhadores à beira do desemprego. Nesta espiral recessiva, os despedimentos são a cara de uma moeda que tem na sua coroa a multiplicação das formas de trabalho precário e sem direitos. Em contexto de crise, o capital pressiona, em todo o lado, sobre os salários. Esta tendência, aliada à rarefacção do crédito, alimenta, por sua vez, novas quebras na procura. Esta é a cadeia depressiva que só políticas socialistas podem contrariar.

 

A candidatura apresentada pelo Bloco de Esquerda recusa quer o regresso ao proteccionismo, quer a "asiatização" das condições de trabalho na Europa para responder à concorrência no comércio internacional. Pelo contrário, sustentamos a urgência de um contrato mundial que, a exemplo do que defendemos para o combate ao aquecimento global, nivele "por cima" os direitos dos trabalhadores. Salários mínimos, horários máximos de laboração, descontos para a segurança social e direito de greve devem ser generalizados em todo o planeta. Em contrapartida, a Europa, os EUA e o Japão devem reconhecer aos países menos desenvolvidos o direito de protegerem as suas produções, e financiar os programas que compensem o custo social da abertura dos mercados.

O combate à pobreza e a defesa do poder de compra dos salários são a chave do relançamento das economias, do mesmo modo que o aquecimento climático é o horizonte que obriga à sua requalificação e mudança nos padrões de consumo. Uns e outro implicam uma nova ordem económica mundial onde os lucros se submetam à prioridade do emprego e da satisfação das necessidades colectivas.

 

A opção socialista e solidária que orienta as nossas propostas depende da coragem para se irem buscar os recursos aonde eles existem e da sua mutualização ao serviço das novas prioridades.

Da actual crise devem retirar-se todas as lições, mas uma é a mais urgente: o sistema financeiro internacional deve ser colocado ao serviço do bem comum. Só se justifica a nacionalização da banca e dos seguros se os Estados impuserem políticas de crédito sem usura e garantirem que o dinheiro dos contribuintes não serve para pagar indemnizações a accionistas e salários e bónus do "outro mundo" a gestores irresponsáveis. De outro modo, as nacionalizações mais não são do que uma socialização de perdas privadas.

Uma crise mundial exige respostas em escala mundial.

Os EUA não podem impor ao Mundo limites ao endividamento quando não os praticam para si e aprovam planos que o agravam ainda mais. Uma reforma do sistema monetário internacional é indispensável para evitar a competição por via das diferenças cambiais entre moedas.

O sistema financeiro é a segunda prioridade: os activos transaccionados em bolsa devem passar a ser taxados em função da sua natureza; a evasão fiscal deve ser combatida e o primeiro passo é o encerramento dos offshores; do mesmo modo, os governos têm meios para diminuírem drasticamente a fuga aos impostos sobre o valor acrescentado no comércio internacional e intracomunitário. Em conjunto, estes são recursos mais do que suficientes para se relançarem as economias em bases mais sólidas e justas. Apesar da enorme destruição de capital fictício, é possível responder à crise. O que tem faltado é a vontade para o fazer. Hoje, os líderes queixam-se amargamente de tudo o que antes permitiram. Mas ainda não passaram das palavras aos actos e desculpam-se uns com os outros.

 

A candidatura apresentada pelo Bloco de Esquerda exige medidas de urgência aplicáveis em escala europeia, independentemente do que façam outros centros de decisão mundial: registo de todos os movimentos financeiros na direcção dos offshores; acordo para o encerramento dos que se localizam na Europa; criação de uma agência pública de notação europeia que introduza princípios de transparência na bolsa e no acesso aos empréstimos internacionais; regulação pública das bolsas europeias com seriação dos títulos admissíveis e sua taxação diferenciada; combate decidido à evasão fiscal no IVA intra-comunitário e registo dos titulares de empresas de sub e sobre-facturação, com interdição de formação de novas firmas. Qualquer uma destas medidas vale mais do que todas as injecções de capital e avales dados a um sistema bancário que vive do segredo e da mentira.

Os recursos assim obtidos devem ser mutualizados, financiando um orçamento comunitário revisto e ambicioso que se coloque ao serviço de prioridades que são comuns, quer a uma política externa solidária, quer a nível à coesão no espaço europeu: combate à pobreza, defesa do emprego e do poder de compra dos salários e requalificação industrial e urbana de combate às alterações climáticas.

 

Da guerra preventiva à prevenção da guerra

 

O mundo pode ainda obter recursos públicos de elevadíssimo montante se deixar de os drenar para as despesas militares.

Os Estados Unidos da América, responsáveis por metade da despesa militar mundial, fundaram na superioridade militar o predomínio global que tem assegurado a continuidade do seu modelo económico e a hegemonia na ordem internacional. As consequências deste poder de tipo imperial são conhecidas e nenhuma administração lhes pôs, até hoje, cobro. A recente eleição de Barak Obama, que sucede à mais agressiva administração das últimas décadas concentra, de momento, as suas atenções na crise doméstica. Este não é o menor dos riscos. Se nos principais centros de decisão vinga o "cada um por si", as ondas de choque de tal opção propagar-se-ão pelo planeta.

Ao mesmo tempo que se vira para dentro, a nova administração não rompeu com a doutrina da "guerra ao terrorismo" herdada de G.W.Bush. A Casa Branca quer transferi-la do Iraque para o Afeganistão, perpetuando-a num campo de batalha sem qualquer horizonte que não seja o da sua própria eternização. Também não se devem alimentar expectativas quanto ao seu alinhamento com o Estado de Israel, o que impede uma solução justa e equilibrada para o conflito, com base nas resoluções das Nações Unidas e na proposta oferecida pela Liga Árabe. Em todos estes capítulos, a União Europeia deve ter uma posição independente dos EUA e comprometida com o Direito Internacional. Se os governos europeus declarassem que os responsáveis pelo massacre de Gaza deveriam comparecer ante um tribunal internacional, o Estado de Israel perceberia; como perceberia se Bruxelas, que paga todas as facturas das destruições militares israelitas, suspendesse o acordo de associação que tem com Telavive e que se encontra condicionado ao respeito pelos Direitos Humanos.

É este mesmo princípio de independência que deve levar a União a favorecer a intenção anunciada por Obama de reatar as negociações para o desarmamento nuclear. Os países europeus com dispositivos nucleares devem comprometer-se nesse processo e Bruxelas deve chamar si o dossier do "escudo anti-míssil", que não é assunto de soberania da Polónia e da República Checa, mas de todos os europeus.

Os tempos de crise são sempre perigosos para a Paz. O mundo deve passar da doutrina da "guerra preventiva" à prevenção das guerras. O princípio da solução dos conflitos por meios políticos deve ser instituído na ordem internacional e a Europa deve dar o exemplo. Ao contrário do que se diz, a União não está indefesa nem precisa de exército europeu. 25 por cento das despesas militares mundiais são europeias - cinco vezes mais do que as realizadas pela Rússia ou pela China e 25 vezes mais do que as consumidas pelo Irão.

A defesa europeia não precisa da NATO, uma instituição herdada da guerra-fria e que é a principal responsável pelas guerras que hoje ocorrem no mundo. A NATO, que celebra 60 anos de idade, é uma organização ofensiva sobredeterminada pelos interesses norte-americanos e que se tem imposto, pela força bruta, às próprias Nações Unidas.

A segurança da União reside no desenvolvimento económico, no modelo de protecção social e de direitos que ofereça e na solidariedade que promova. A segurança do mundo depende da eficácia no combate às raízes em que se fundam todas as guerras e conflitos. Por isso é tão importante a reforma das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança.

 

A candidatura apresentada pelo Bloco de Esquerda defende o princípio da resolução dos conflitos por via política e condena a doutrina da guerra preventiva.

Durante a campanha assinalaremos o 60º aniversário da NATO participando nas movimentações de quantos e quantas defendem, na Europa, a sua dissolução, o fim das bases estrangeiras em território europeu e a eventual instalação do escudo anti-míssil norte-americano na Polónia e na República Checa.

No Parlamento Europeu, o Bloco de Esquerda defenderá o reatamento das negociações para o desarmamento nuclear. A segurança europeia deve ser garantida por um Tratado de não agressão e cooperação entre todos os países do Continente. Nessas discussões, os aspectos relacionados com o respeito pelos Direitos Humanos e a renuncia à guerra energética devem estar igualmente em cima da mesa.

No que toca aos conflitos armados, o Bloco continuará a pautar o seu comportamento pelos critérios que nortearam o mandato europarlamentar que agora se conclui. Reconhecemos o direito dos povos à resistência contra o colonialismo, recusamos o chamado direito de ingerência nos conflitos de terceiros e consideraremos caso a caso a possibilidade de forças multinacionais de interposição, desde que não tenham enquadramento da NATO, sejam decididas pelas Nações Unidas e tenham o acordo entre as partes beligerantes.

Portugal deve sair da NATO. Somos um pequeno país sem interesses estratégicos vitais nos cinco cantos do planeta e que se deve especializar na mediação de conflitos e na arbitragem com base nos princípios do Direito Internacional.

 

Este é o nosso compromisso.

Somos europeístas, mas não somos eurocêntricos. O que queremos para quantos e quantas vivem na Europa é o que desejamos para o planeta.

 

Somos europeístas, mas não somos eurocratas. A nossa Europa é a que acredita na auscultação dos povos e recusa a oposição entre democracia representativa e instrumentos da democracia participativa. Queremos mais e melhor Europa, mas recusamos a uniformização, a diminuição das culturas locais e a falta de respeito pelo mosaico de gentes, línguas e povos de que a Europa se faz.

 

Somos de esquerda. Sabemos com quem estamos e com quem não estamos. Os nossos adversários não são os imigrantes, as minorias étnicas, os pobres, os gays, os professores, ou quem se encontra no subsídio de desemprego. Os nossos adversários são os que colocam os seus rendimentos nas ilhas Caimão enquanto despedem preventivamente e pedem subsídios ao Estado.

 

Somos, portanto, europeístas de esquerda: socialistas na proposta e solidários na atitude. Chegou a hora dos de baixo enfrentarem a crise unidos. Os pobres, os jovens, o mundo do Trabalho, a Cultura e a Ciência, precisam de uma Europa que devolva a esperança. Esta é a candidatura que quer traduzir essa aspiração.14

 

 

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