"O governo não é só culpado de deixar andar com as deslocalizações das multinacionais, ou de atacar os direitos dos trabalhadores desempregados em vez de se preocupar com a criação de emprego, como é ele próprio um desempregador e até quer ser o maior desempregador de Portugal: no sossego dos seus gabinetes, o primeiro-ministro e o ministro das finanças estão a preparar o segundo grande processo de despedimento e de ameaça colectiva, agora na Função Pública". Afirmou o deputado António Chora na interpelação ao governo sobre desemprego
Intervenção de António Chora na interpelção do Bloco ao governo sobre desemprego (22 de Junho de 2006)
Não é preciso justificar as razões desta interpelação do Bloco de Esquerda ao Governo. Hoje, o senhor primeiro-ministro e os seus ministros sabem muito bem porque é que vêm ao Parlamento: estão aqui para responder perante o país pelo pior fracasso da sua política, e pelo falhanço precisamente na questão mais importante para a democracia, que é a redução do desemprego.
Há quem ache, senhor primeiro-ministro, que o desemprego é inevitável e que não há nada a fazer, e mesmo que é um erro exigir uma política para o emprego.
A Bolsa e os especuladores entusiasmam-se quando uma empresa apresenta um plano de despedimentos: as cotações das acções sobem sempre que chega a casa do trabalhador a carta do despedimento.
O senhor primeiro-ministro pode pensar como a Bolsa - ou não. É um segredo bem guardado, porque de facto o governo não diz nada, não pensa nada, não faz nada para responder ao desemprego. Deixa andar.
Deixar andar, senhor primeiro-ministro, é um erro e um crime contra a economia, contra o trabalho e contra os trabalhadores.
Foi deixando andar que, desde 2001, o desemprego duplicou de 200 mil para mais de 400 mil nas contas oficiais, e foi deixando andar que o desemprego de longa duração se multiplicou por 2,5.
Foi deixando andar que chegámos a quase 600 mil desempregados nas contas reais, se considerarmos os números do INE incluindo quem só consegue um biscate de umas horas por mês e quem já não tem esperança e não se vai inscrever no Centro de Emprego.
Foi deixando andar que se permite que tenhamos o maior número de crianças a trabalhar, que tenhamos a segunda maior taxa de abandono escolar da União e que tenhamos a maior taxa de aumento de desemprego da Europa.
Foi deixando andar que se fechou os olhos a todas as deslocalizações, às ameaças e à chantagem contra os trabalhadores em tantas empresas.
Eu não aceito que se feche os olhos, senhores ministros.
Ao trazer o tema do emprego à discussão mais importante que a Assembleia da República tem com o governo, quer o Bloco de Esquerda confrontar o governo sobre dois processos de despedimentos colectivos que estão em curso e que podem e devem ser evitados e vencidos.
O primeiro grande processo de despedimento colectivo é nas empresas multinacionais, e o segundo é na Função Pública. Juntos ameaçam - quantos serão, senhores ministros? Setenta, oitenta, cem mil trabalhadores? Estes são despedimentos em massa como não há lembrança em Portugal num curto período, e não assistimos a poucos.
O primeiro, o despedimento nas multinacionais, já se vem a agravar desde há cinco anos. Não é por causa da recessão ou da crise, porque começou quando não havia recessão nem crise - é simplesmente porque algumas empresas multinacionais acham que há outros trabalhadores que podem ser mais explorados.
Foi assim que 58 empresas multinacionais abandonaram Portugal provocando milhares de desempregadas e desempregados.
A Clarks de Castelo de Paiva foi para a China e a Roménia, a Lear de Valongo e Póvoa de Lanhoso foi para a Roménia e a Polónia, a Melka do Cacém e Palmela foi para a Rússia, as Confecções Eres foram para a Bulgária, a Euronadel para a Roménia, a Benetton foi da Maia para a Tunísia, a Hungria e a Croácia, a Indesit Company que foi de Setúbal para a Polónia.
Mas muitas mais empresas multinacionais se foram embora ou reduziram a sua produção e o emprego: a Alcoa, a Shuih Union, a Siemens, a Nestlé, a Texas Instruments, a Boralis, a Goela Fashion, a Rhode, a Ford, a Bawo, a Guerry Weber, a Synfiber, a Vestus, a Vagabond, a Tovartex, a Tyco, a Ecco, a Gabor Fashion, a Maconde, a Eurotêxtil, a Brax, a Decantcofex, a Bombardier, a Philips, a Valeo, a Yazaki Saltano, a Delphi e outras.
Estas empresas não estavam em falência, não tinham dificuldades de encomendas, não lhes faltavam os melhores trabalhadores, não lhes faltavam benefícios de mão estendida, não lhes faltava nada.
Estas empresas que fugiram de Portugal comportaram-se como a praga de gafanhotos que come todas as colheitas e deixa tudo deserto atrás de si. Nenhuma respondeu pela sua responsabilidade, nenhuma pagou pelo que prometeu, algumas até receberam subsídio da União Europeia para se instalarem noutro país depois de terem saído de Portugal.
Por isso, quando hoje falamos da Opel na Azambuja, que é a quinquagésima nona multinacional que ameaça sair nestes cinco anos, saibam, senhores ministros, que já não há nada que surpreenda quem trabalha - e somos a grande maioria do país.
A Opel, a General Motors, está a mentir aos trabalhadores e a todos nós.
Diz que não pode continuar com a empresa aberta porque tem prejuízos. A General Motors não tem prejuízos na fábrica da Azambuja, que é a segunda mais produtiva do grupo na Europa. É simplesmente uma chantagem.
A General Motors quer que lhe paguem 500 euros por cada carro que monte em Portugal, para corrigir com o dinheiro dos impostos de todos os portugueses os seus próprios erros de gestão e de distribuição da produção na Península Ibérica e para depois se ir embora sem apelo nem agravo. A General Motors acha que pode assinar um contrato, depois rasgá-lo e ditar as novas condições sem que ninguém mexa uma palha.
A General Motors quer tomar como reféns os 1.200 trabalhadores, mais os 800 em regime de ‘outsourcing' exclusivo para a Opel e mais os 4 mil empregos indirectos de fornecedores - 6 mil pessoas no total que ameaça de desemprego. Quer que lhe paguem um suplemento para cumprir o contrato que assinou até final de 2008.
O senhor ministro da economia, e o senhor primeiro-ministro, que interveio directamente neste dossier na semana passada, bem sabem como a situação é difícil. O que não podem é ficar calados ou à espera que a crise se resolva por si.
É porque a solução é muito difícil que vos quero falar da minha experiência com os trabalhadores da Autoeuropa. Estávamos ameaçados de deslocalização, de fecho da empresa, diziam-nos que as ordens da Alemanha eram para cumprir e que não havia conversa.
Os trabalhadores recusaram a chantagem. Negociámos nos nossos termos e demonstramos que a empresa era viável, que tinha condições para continuar a produzir durante muito mais anos e até produtos de maior exigência tecnológica. Houve momentos muito difíceis mas nunca cedemos - nem quando alguns sugeriram na comunicação social que era melhor aceitarmos as condições da VW: não lhes demos razão, não cedemos e insistimos. Insistimos e vencemos e o senhor ministro da economia, com quem a Comissão de Trabalhadores conversou sempre que foi preciso, sabe bem que era muito difícil manter a empresa a trabalhar e que todos os esforços foram necessários e úteis.
Mas uma negociação não é aceitar e calar; uma negociação é insistir e conseguir que vençam as razões e a defesa do emprego e dos direitos de todos. Foi assim que se resolveu o problema da Autoeuropa e é por isso que digo que a Opel não está condenada nem aceitamos que esteja condenada. A empresa tem obrigações que tem que cumprir e os trabalhadores têm direitos que têm que defender.
Os trabalhadores da Opel têm dado uma prova magnífica de responsabilidade. Os seus colegas de Espanha e da Alemanha também: fizeram uma greve de solidariedade contra o fecho na Azambuja.
Por isso, senhores membros do governo, ninguém pode falhar aos trabalhadores da Opel.
O governo tem responsabilidades directas na solução do problema. O governo não se pode comportar como um simples intermediário. O governo tem responsabilidade perante os trabalhadores, porque assinou o contrato com a Opel e porque é garante dos benefícios que lhe atribuiu o governo tem a responsabilidade de desenvolver o sector automóvel, criando as plataformas logísticas e os sistemas de transportes, apoiando a formação profissional e a criação de qualificações, com o apoio do Plano Tecnológico, para que a fileira produtiva seja coerente e fique protegida dos raids das deslocalizações.
O que o país não quer continuar a ouvir, são desculpas esfarrapadas ou justificações atrapalhadas.
Prometem e prometem, falam falam, mas ... o que não se cria é emprego. Temos uma democracia amputada em que uns têm direitos e outros não; uns têm oportunidades e outros não; uns têm rendimentos e outros têm caridade.
A razão é simples. A política de emprego continua a estar subordinada às opções erradas da política económica. Apesar de toda a retórica em torno do Plano Nacional de Emprego 2005-2008, este documento assume como certas as previsões de agravamento da taxa de desemprego nos próximos anos, limitando-se a enunciar medidas de prevenção e atenuação do desemprego - suportadas em medidas activas de emprego - e não prevendo instrumentos para a criação de emprego.
Os especialistas e alguns membros do governo argumentam mesmo, e têm razão, que só a partir de um crescimento de 2,5% se cria emprego. No entanto, é o mesmo governo que prevê uma taxa média de crescimento de 2% até 2050, e agora andamos à volta de 1%. Desta forma, o desemprego está a aumentar e vai continuar a aumentar. Com os empregos sazonais de verão, o desemprego diminuiu muito ligeiramente; assim aconteceu noutros anos e assim acontece agora. Mas não há milagres: ou há crescimento sustentado ou há mais desemprego.
Por isso, não bastam medidas paliativas que apenas visam suavizar as consequências sociais do desemprego. é preciso uma economia que cresça e que cresça para criar emprego.
Ora, ao contrário, o governo só agrava as condições económicas e sociais que criam desemprego. Por decisão do governo, só um terço dos desempregados tem subsídio de desemprego - o apoio do subsídio de desemprego foi reduzido quando o desemprego subiu.
Por decisão dos governos, de todos os governos, a precariedade tornou-se a regra do emprego. A precariedade é por isso a maior da Europa: dois terços das novas contratações são precários. É licenciado? - vai para o call center atender telefonemas, e tem sorte porque as empresas portuguesas, incluindo aquelas em que o Estado tem poder de veto, já estão a ir para Cabo Verde instalar os seus call centers.
São anunciados grandes projectos para criar emprego. O maior já morreu e o primeiro-ministro veio mesmo dizer que era gato por lebre.
Isto bastaria para condenar a inactividade, o desinteresse, a passividade do governo e as suas medidas económicas que criam desemprego.
Mas a acusação que o Bloco de Esquerda faz ao governo é mais grave. De facto, o governo não é só culpado de deixar andar com as deslocalizações das multinacionais, ou de atacar os direitos dos trabalhadores desempregados em vez de se preocupar com a criação de emprego, ou de agravar a precariedade em vez de ajudar a criar emprego qualificado.
O governo é ele próprio um desempregador e até quer ser o maior desempregador de Portugal: no sossego dos seus gabinetes, o primeiro-ministro e o ministro das finanças estão a preparar o segundo grande processo de despedimento e de ameaça colectiva, agora na Função Pública.
É um segredo que queremos discutir nesta interpelação. São setenta e cinco mil os funcionários públicos que o 1º Ministro quer dispensar? São mais os que o ministro das finanças quer colocar nos extra-numerários?
É um segredo bem guardado. O governo fez uma auditoria a todos os ministérios. Resultado? Segredo. Conclusões? Segredo. Há funcionários a mais? Segredo. Há funcionários a menos? Segredo.
Há a menos, bem sabemos. Os funcionários públicos são em Portugal 18% da população activa, mas na Grécia, Irlanda, Itália e Áustria são 20%, na Alemanha e França 24%, na Holanda 25%, na Bélgica 28%, na Dinamarca 30% e na Suécia 33%. Faltam-nos funcionários públicos para o pré-escolar e para o tratamento de idosos, para as florestas e para a inspecção económica, para a defesa do consumidor e para os hospitais e centros de saúde, para a descentralização dos serviços e para os transportes.
Mas o governo acha que há a mais. Marques Mendes concorda e propôs uma solução corajosa: um pontapé com um cheque. José Sócrates, homem determinado, propõe uma prateleira e andor: no próximo mês vamos discutir a lei da mobilidade para começar este processo de despedimentos colectivos na função pública.
Se o governo dentro de um mês quer estas leis aprovadas, e se já tem os estudos dos seus efeitos, é hoje o momento de nos mostrar e de dizer o que quer.
Queremos os números. Queremos o fim do segredo. Queremos a verdade. Queremos e estamos aqui para o debate sobre as alternativas.
O Bloco de Esquerda vem aqui para lhe dizer que o desemprego não é uma fatalidade, que a democracia só pode viver se todos tiverem oportunidade de viver com direitos. Todos conhecemos uma desempregada e um desempregado; em todas as famílias há desemprego. Lembra-se, senhor primeiro-ministro? - o mais importante são as pessoas, não são os números. Essas pessoas, os trabalhadores, estão indignados.
Senhores membros do governo, o povo já não aguenta. Querem continuar esta política de desemprego, de promessas, de deixar andar? O resultado será mais desemprego. Querem avançar com o despedimento colectivo na função pública? O resultado será mais desemprego. É por essa política que nesta interpelação combatemos e condenamos as escolhas do governo: os senhores acham que a economia está melhor com mais desemprego, o Bloco de Esquerda entende que a economia se está a afundar com o aumento do desemprego.