Imprimir
Acessos: 14322

...para modernizar a política portuguesa

paridade01"Quando terminam os dez anos de mandato de Jorge Sampaio e se inicia o mandato do novo presidente, um dos balanços mais negativos deste período da evolução da sociedade portuguesa é a forma como as mulheres continuaram a ser tratadas como cidadãs de segunda classe"  afirmou a deputada Helena Pinto na AR no dia 8 de Março de 2006.

Intervenção política do Bloco de Esquerda, 8 de Março de 2006

A paridade entre homens e mulheres para modernizar a política portuguesa

Helena Pinto

Hoje de manhã, no seu último acto público como Presidente da República, Jorge Sampaio homenageou as mulheres portuguesas na maior maternidade do país, a Alfredo da Costa. Este Parlamento dará amanhã posse ao novo Presidente, Aníbal Cavaco Silva.

Quando terminam os dez anos de mandato de Jorge Sampaio e se inicia o mandato do novo presidente, um dos balanços mais negativos deste período da evolução da sociedade portuguesa é a forma como as mulheres continuaram a ser tratadas como cidadãs de segunda classe.

Portugal é o único país da União em que mulheres ainda são julgadas por terem abortado; é o país que conheceu dos maiores aumentos do desemprego feminino; é o país em que o acesso das mulheres ao ensino ainda tem menos correspondência na sua vida profissional; é o país em que ainda se praticam salários diferentes para trabalho igual entre homem e mulher; é o país em que somente um quarto dos deputados são mulheres e somente um oitavo dos ministros são mulheres, mesmo que estas sejam maioria na população.

A eleição do novo Presidente, representando a vitória da coligação dos votos das direitas e dos apetites mais conservadores, anuncia um tempo difícil para a luta pelos direitos das mulheres e para a modernização da política portuguesa.

O Bloco central que se vai estabelecendo entre o governo e a presidência permite antever uma pressão conservadora contra direitos essenciais para a vida das mulheres, nomeadamente no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, no trabalho e na promoção profissional e na igualdade plena na cidadania.

Temos consciência dessa dificuldade com a eleição do novo presidente e com a vontade da direita de recuperar a agenda conservadora.

E é por isso que venho aqui reafirmar a urgência, a importância e a certeza da vitória dos grandes combates modernizadores que são fundamentais para as mulheres portuguesas.

Assim e dando cumprimento ao seu compromisso eleitoral, o Bloco de Esquerda apresentou ontem na Assembleia da República três Projecto de Lei que têm como objectivo alterar as leis eleitorais no sentido da introdução da paridade, garantindo a representação mais equilibrada de homens e mulheres na ordenação das listas.

Apresentámos também um Projecto de Resolução no sentido de se aplicar a todos os sectores da vida pública o critério da paridade. A paridade tem que estar presente em todos os cargos de nomeação política e em todos os organismos dependentes do Governo.

O Governo, em 16 ministros tem 2 mulheres e em 35 secretários de estado somente 3 mulheres. Não se façam flores com a paridade. Aplique-se a todos os domínios. Se tal não acontecer ficaremos sempre a meio do caminho.

Por isso, há duas questões sobre as quais interpelamos desde já a maioria parlamentar do Partido Socialista:

Em primeiro lugar, queremos saber em que sistema eleitoral é que defende a paridade.

Em segundo lugar, queremos saber como é que entende que a sua política de restrição de direitos sociais possa permitir uma maior participação das mulheres.

A paridade é como que uma ponte que todas as democracias têm que atravessar e nessa travessia reduzir as margens que separam mulheres e homens.

Não bastam por isso lindos discursos cheios de sujeitos e predicados politicamente correctos.

O Projecto-Lei apresentado pelo PS, apresenta já uma suposta solução para o caso de os círculos uninominais virem a ser impostos.

A introdução de truques na lei eleitoral para adulterar a proporcionalidade, favorecendo artificialmente a bipolarização entre os dois maiores partidos, significa inevitavelmente anular pela via administrativa a diversidade política da sociedade portuguesa.

Não se enganem por isso as mulheres socialistas: elas serão as próximas vítimas. Porque não se pode dar a paridade com uma mão e retirá-la com a outra.

Não se iludam com a contabilidade de todos os círculos uninominais. As mulheres serão colocadas nos círculos em que a hipótese de eleger é mais diminuta ou mesmo inexistente.

Não é fácil abandonar cargos políticos e abrir o espaço devido às mulheres. Sabemos a capacidade de atracção que o poder exerce sobre tantos políticos. Sabemos que existem caciques locais.

Sabemos que o mundo da política é masculino e como vai ser preciso lutar para o modificar.

Se o PS persistir no caminho dos círculos uninominais, a paridade será assassinada.

É preciso pôr os olhos naquilo que aconteceu na França. A aplicação da lei da paridade foi destruída quando foram impostos círculos uninominais para a eleição do Senado.

E já agora também importa perguntar como é que as mulheres do PSD respondem ao dirigente do seu partido que afirmou que a paridade é uma indignidade para as mulheres. Indignidade, senhores deputados, é ter 6 mulheres em 75 deputados. Indignidade é haver apenas uma deputada entre os 12 do CDS.

É isto a auto-regulação dos partidos em matéria de paridade?

É anormal, é esquisito, é desajustado.

Se as mulheres são mais de metade da população portuguesa, o que é que está a funcionar mal para que sejam tão poucas as deputadas?

O que é que funciona mal nos partidos para que as mulheres sejam excluídas?

O que é que funciona mal no governo para que o primeiro-ministro diga que escolhe os mais competentes e só encontra duas mulheres que considera competentes?

A paridade é a única alteração que é necessária no sistema eleitoral, e é urgente. Todas as outras alterações - a prestação regular de contas, a aproximação do eleito e do eleitor - todas elas dependem exclusivamente das práticas políticas e não da lei. Dependem da vontade e não da imposição.

A paridade é única alteração às leis eleitorais que estamos disponíveis para votar e tudo faremos para que seja aprovada.

Senhoras e senhores deputados do PS,

Queremos também discutir convosco, e com todas as outras deputadas e deputados, a segunda questão, e não menos importante, os direitos sociais que afectam as mulheres.

Não aceitamos que existam meios direitos para uns e direitos inteiros para outros consoante a sua situação económica.

E apenas vos dou quatro exemplos, que são marcas muito concretas da direita no poder e que o Partido Socialista se recusa a alterar:

Em primeiro lugar, os direitos de maternidade e paternidade são direitos autónomos e a eles têm direito mulheres e homens. Mas as professoras e os professores contratados podem ver este direito suprimido devido à caducidade do seu contrato de trabalho ao contrário do que acontece com os restantes trabalhadores e trabalhadoras. Será assim que se defende o direito universal da maternidade e paternidade, direito constitucional?

Em segundo lugar, a licença de maternidade pode ter a duração de 5 meses. No entanto a quem gozar os 5 meses só é pago 80% do salário. Quantas trabalhadoras estão em condições de optar por 80% do salário?

Em terceiro lugar, o Código Bagão Félix impede que uma mulher que tenha tido um aborto fora dos poucos casos previstos na lei actual beneficie de uma licença por razões de saúde.

Em quarto lugar, o acesso à Justiça - só tem direito a apoio judiciário quem praticamente não tem nenhum rendimento. Como se podem defender as mulheres vítimas de violência e muitas trabalhadoras vítimas de discriminação laboral?

Nós queremos os direitos inteiros para todas e para todos e não aceitamos que as mulheres pobres sejam aquelas que acabam por sofrer mais estas verdadeiras discriminações.

Onde está a defesa do Estado Social, tão apregoada pelo PS?

Só há uma domínio em que os pobres estão na vanguarda - no levantamento de sigilo bancário, que o governo não hesitou em levantar para os pobres terem acesso a qualquer prestação social, seja ao rendimento social de inserção, seja ao complemento de reforma, mas que se recusa a levantar no que aos mais ricos diz respeito.

O governo vai acentuando assim as diferenças entre ricos e pobres, paulatinamente vai pondo em causa a universalidade dos direitos e com isso vai acentuando as diferenças entre mulheres e homens. As mulheres, e as mulheres mais pobres em primeiro lugar, são sempre as vítimas do costume da ofensiva liberal e da desagregação que é o preço da exclusão social.

Da nossa parte o governo só contará com oposição a essa política socialmente irresponsável.

Convidamos por isso todas as senhoras deputadas a uma intervenção empenhada na promoção da paridade entre homens e mulheres, no aprofundamento da democracia, no desenvolvimento dos direitos sociais que são a condição da modernidade