quarta-feira, 11 abril 2018 16:57

Políticas municipais de Educação

Contributo de Manuel Grilo.

As atribuições das autarquias em matéria de Educação diferem de acordo com a existência ou não de contratos com o Ministério da Educação. Estão em vigor dois tipos de contratos:

• Os contratos de execução, firmados pelo Governo do PS em 2008; a listagem dos municípios com estes contratos pode ser encontrada aqui.

• Os contratos interadministrativos de delegação de competências, firmados pelo Governo do PSD/CDS. Os municípios com estes contratos e a ligação para os textos com os respetivos acordos pode ser encontrada aqui.

Independentemente de terem ou não contratos, todas as autarquias são responsáveis por um conjunto de atribuições “universais”: são responsáveis pela Educação Pré-Escolar e pelo 1.º Ciclo do Ensino Básico, com exceção da colocação e da gestão de Educadores/as e Professores/as, dos técnicos especializados e das orientações curriculares (Pré-escolar) e dos Programas (1.º Ciclo) que continuam da competência do Ministério da Educação.

As autarquias são assim responsáveis por todo o edificado, pelos assistentes operacionais, pela ação social escolar (ASE) e pela componente social das escolas (Componente de Apoio à Família – CAF, no 1.º Ciclo, e Atividades de Animação e Apoio à Família – AAAF no Pré-escolar). São ainda, na maioria dos municípios, as únicas entidades promotoras das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) ou pelo menos são as que centralizam o recebimento dos financiamentos provenientes do Governo e os distribuem por outras entidades (empresas, IPSS ou outras).

Com uma tão grande variedade de competências e dos correspondentes financiamentos – obras de construção ou recuperação de edifícios, componente social, atividades de enriquecimento curricular, ação social escolar - não admira que a área da Educação tenha assumido uma grande importância nas políticas municipais.

Está agora em discussão um processo de transferência de (novas) competências para as autarquias. A proposta de lei desta “descentralização” foi apresentada na Assembleia da República em 2017 (Proposta de Lei n.º 62/XIII) e o diploma setorial para a Educação já foi remetido em 2.ª versão a 26 de março deste ano (ligação não disponível).

Com este processo de transferência de competências toda a educação básica e secundária transitará para as autarquias, com exceção dos edifícios pertença da Parque Escolar (escolas intervencionadas / reconstruídas pela Parque escolar), dos docentes e dos programas e orientações curriculares.

Analisando as competências autárquicas em Educação – as “universais” e as que muito provavelmente virão a ser - podemos identificar alguns eixos de análise:

Sobre o edificado

Na maioria dos casos, esta é a área a que as autarquias se têm dedicado mais e que tem maior visibilidade.

Como contrapartida para a assunção de responsabilidades nesta área, o Ministério da Educação encerrou praticamente todas as escolas com menos de 10 alunos, numa primeira fase e com menos de 20 numa segunda. As autarquias construíram Centros Educativos, em praticamente todo o país, num fenómeno de concentração que praticamente fez desaparecer as escolas rurais e/ou de lugar único.

Passada uma fase de grande contestação social pelo encerramento das escolas do 1.º ciclo no interior do país, e do estabelecimento de circuitos de transportes escolares, a rede escolar parece agora estar estabilizada. Este foi um processo de destruição de serviços públicos no interior do país a par com processos idênticos nas áreas da saúde, da justiça e outros.

Nas grandes cidades ainda permanecem alguns edifícios mais antigos, em especial as escolas de tipologia P3, dos finais da década de 70 e inícios da de 80 do século passado, mas nas cidades e vilas do interior os edifícios são já razoáveis ou mesmo bons. Ao mesmo tempo desenvolveu-se uma rede de estabelecimentos do pré-escolar, rede essa relativamente recente. Antes de 1997/98 a rede de pré-escolar era essencialmente privada. Só a partir dessa altura se avançou para a criação de uma rede pública que, quando transferida para as autarquias, melhorou consideravelmente, apesar de ainda se verificar défice na oferta.

O Bloco tem vindo a defender edifícios que levem em conta os múltiplos usos das escolas e ainda a existência de cozinhas e refeitórios em todas para que as refeições dos estudantes aí possam ser confecionadas.
Ação Social Escolar
Nesta área assumem particular relevo os transportes escolares, seja para a garantia da frequência, decorrente da extinção das escolas pequenas, seja para a subsidiação de visitas de estudo ou outras.

Também nesta “área” podemos encontrar os manuais escolares, gratuitos para todos no 1.º ciclo, este ano, e para o 1.º e 2.º ciclos no próximo e para os estudantes de famílias mais pobres no 3.º ciclo e secundário. Alguns municípios avançaram com a oferta dos manuais escolares a todo o básico (caso de Lisboa, para todo o básico este ano e básico e secundário a partir do próximo ano).

Outro aspeto que fica na área da ação social escolar é o da alimentação. O Bloco tem pugnado por refeições confecionadas nas cozinhas das escolas públicas, mas na maioria dos municípios os almoços são concessionados a empresas de restauração coletiva. Estas empresas agem, na maioria das vezes, de forma concertada. As refeições são pobres, com produtos de segunda escolha e permitem margens de lucro muito elevadas para as empresas. Este ano foram denunciadas na comunicação social refeições com poucos alimentos e com alimentos avariados num conjunto alargado de escolas. Parece estar a aumentar a sensibilidade das famílias para se envolverem nas escolas a partir destes casos.

Respostas sociais das escolas do 1.º ciclo

Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC)

As AEC foram instituídas pelo Governo do PS (Sócrates) em 2005/2006 e destinavam-se, no discurso enunciado à época, a democratizar as atividades de tempos livres e de enriquecimento curricular. Os filhos das famílias mais ricas frequentavam, depois do período escolar que terminava entre as 15h e as 15h30, atividades como Música, Ginástica, Natação, etc., até à hora dos pais os poderem ir buscar. Os filhos das famílias mais pobres não tinham acesso a estas atividades e ficavam em situação de grande desvantagem. Este foi o discurso enunciado pelo Ministério da Educação de então (liderado por maria de Lurdes Rodrigues). Era (e é) um discurso que colava com a realidade de muitas famílias embora com a instituição das AEC (e um pouco mais tarde das CAF e AAAF) se tivessem destruído experiências de auto-organização dos pais com iniciativas das Associações de Pais e Mães e Encarregados de Educação.

O modelo instituído foi o da Escola a Tempo Inteiro que obriga as escolas do 1.º ciclo a garantirem atividades de enriquecimento curricular ou outras até às 17h 30. A designação adotada para este programa é similar à que existia já na Região Autónoma da Madeira embora fixasse forma diferente. Na Madeira a manhã é reservada às aulas e a tarde às atividades ou vice-versa.

Num primeiro momento após o encerramento das aulas (15h ou 15h30) estavam obrigatoriamente organizadas duas atividades por dia, de 1 hora cada, encerrando às 17h 30. Após esse momento entram os CAF, com comparticipação paga pelos pais, até às 19h00 ou 19h30. Num segundo momento, com o Governo PSD/CDS, passou de duas atividades diárias para uma. As escolas acabaram por se organizar “esticando” os intervalos de almoço e criando um grande intervalo logo após o términus das aulas. Com a introdução do Inglês nos 3.º e 4.º anos foi ainda reduzida uma atividade de enriquecimento por semana (o que quer dizer que, nos 5 dias da semana, os alunos do 3.º e 4.º ano só têm 4 atividades). As AEC são de oferta obrigatória e de frequência gratuita.

As entidades designadas como “promotoras” para o corrente ano letivo podem ser consultadas aqui. Podem ser a) Agrupamentos de escolas; b) Autarquias locais; c) Associações de pais e de encarregados de educação; d) Instituições particulares de solidariedade social (IPSS).

Estas entidades podem estabelecer “parcerias” com outras entidades públicas ou privadas, isto é, podem concessionar as AEC a empresas privadas o que inicialmente foi a norma. Hoje em dia há um maior envolvimento dos Agrupamentos de Escolas e das autarquias, mas a realidade é ainda muito heterogénea.

Quando as entidades promotoras são os agrupamentos de escolas os professores com horário incompleto são obrigados a assegurarem atividades. Quando são as autarquias ou outras entidades isto não acontece, contratam monitores ou técnicos livremente a partir de algumas orientações enviadas pela Direção Geral da Educação.

CAF e AAAF (Componente de Apoio à Família e Atividades de Animação e Apoio à Família)

De acordo com a legislação em vigor (Portaria n.º 644-A/2015, de 24 de agosto) “As AAAF são implementadas, preferencialmente, pelos municípios no âmbito do protocolo de cooperação, de 28 de julho de 1998, celebrado entre o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, no âmbito do Programa de Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré -Escolar, sem prejuízo da possibilidade de virem a ser desenvolvidas por associações de pais, instituições particulares de solidariedade social ou outras entidades que promovam este tipo de resposta social.”

A CAF, ainda de acordo com o mesmo diploma, é definida como “o conjunto de atividades destinadas a assegurar o acompanhamento dos alunos do 1.º ciclo do ensino básico antes e ou depois das componentes do currículo e das AEC, bem como durante os períodos de interrupção letiva.

A CAF é implementada por autarquias, associações de pais, instituições particulares de solidariedade social ou por outras entidades que promovam este tipo de resposta social, mediante acordo com os agrupamentos de escolas.”

\Como se percebe, esta resposta social da escola pública compromete quase sempre, de forma direta ou indireta, as autarquias, e em especial as câmaras municipais (na cidade de Lisboa o município delegou muitas destas competências nas juntas de freguesia, mas mesmo aí há situações diferentes).

Entre o social e o educativo

Relativamente a esta resposta social da escola pública, organizada em AEC, CAF e AAAF, são muito frequentemente referenciados conflitos entre a organização das atividades letivas e as restantes atividades seja pela utilização dos mesmos espaços, seja pela menor estabilidade de quem dirige e/ou organiza e/ou leciona as atividades e pela ausência de clarificação do que compete a quem.

Os docentes são obrigados a colocar no seu horário tempos para supervisão das AEC, mas a verdade é que estas lhe são completamente alheias. A ausência de coordenação geral das atividades (em teoria da responsabilidade da direção do agrupamento) limita muitas vezes o diálogo entre os diferentes profissionais que agem na mesma escola embora com missões e horários diferentes.

Defendem muitos e muitas que a implementação das AEC e das CAF nas escolas do 1.º ciclo escolarizou os tempos livres das crianças que ficam no mesmo espaço, e em atividades que muitas vezes não diferem entre si, durante um número excessivo de horas – pode ir até 11 horas.

A verdade é que muitas famílias têm que encontrar uma resposta onde deixar os filhos em segurança e com atividades úteis durante o período que decorrer entre o fim das aulas e o fim do trabalho do pai ou da mãe.

A construção de uma síntese entre estas visões aparentemente contraditórias deve constituir um desafio no desenho das políticas municipais de Educação. Esta construção deve equacionar a utilização de espaços não escolares para as atividades, para a construção de uma visão das atividades como eminentemente lúdicas e recreativas e, sobretudo, para a estabilização e qualificação das pessoas destas atividades (monitores, técnicos, docentes, etc.).

Os horários de trabalho dos monitores / técnicos / docentes são, regra geral, diminutos, quer nas AEC quer no CAF e AAAF, já que só estão ao serviço durante uma parte do dia. Isto tem significado uma enorme rotatividade dos trabalhadores que aqui ganham muito pouco e uma política de contratação por parte das autarquias ou de outras entidades com muita latitude.

É necessário estabelecer uma política que regularize o emprego, criando vínculos estáveis, dê formação pedagógica a quem dela necessitar e organize de forma diferente as atividades.Hoje, muitos pais e mães quando pretendem conhecer o paradeiro do seu

filho durante as atividades, em especial durante o CAF, têm dificuldades de resposta. Não há, por norma, quem assuma a responsabilidade de cada uma das crianças à guarda da escola.

Uma possibilidade de organização das atividades, e de forma integrada, é o estabelecimento de docentes ou técnicos responsáveis durante todo esse período por um conjunto limitado de crianças, por as acompanhar durante as AEC e após as AEC as levar a atividades fora do espaço escolar (com a rentabilização de espaços, culturais, desportivos, ou outros, na comunidade). Um responsável que respondesse às famílias, que transmitisse segurança e que orientasse as crianças nas suas escolhas e nos seus percursos entre atividades.

Carta Educativa Concelhia

A Carta Educativa é um instrumento de gestão valioso, essencial para o planeamento da rede escolar entre outras importantes funções. Nela se cruzam o inventário das existências em termos de edifícios, equipamentos e ofertas educativas no concelho com a

planificação da rede tendo em atenção as prioridades do município em matéria de urbanismo e outrasA construção das cartas educativas, obrigatórias por lei, é muitas vezes atribuída a empresas ou a instituições de ensino superior. Deve ser sempre objeto de grande escrutínio e de acompanhamento cuidadoso durante o período da sua construção ou revisão.

Manuel Grilo, professor e ativista sindical

 

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